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Além da seringa e da castanha, o seringueiro tira da mata quase tudo o que precisa para viver. Tira a madeira de paxiúba para as casas, a palha de aricuri ou jarina para os telhados, o terreno de roçado para o arroz, feijão, milho e mandioca, com a qual faz farinha também. Os insetos e raízes alimentam as galinhas, porcos, perus e patos, às vezes até alguma vaca e umas poucas cabeças de gado. A mata dá caça variada e farta – veados, porcos-do-mato, pacas, antas e peixes – é também o jardim de infância das crianças, que se divertem com armadilhas, e o berço do universo de lendas dos seringueiros. Todo seringueiro já foi assombrado pelas almas dos que morrem, pela mãe d’água que encanta os viventes e os leva para o fundo dos rios, ou pelo caboclinho da mata, um indiozinho pequeno que é o dono das caças e persegue e castiga aqueles que caçam sem necessidade de carne fresca. Há também o São João Guarani, que misturou o seringueiro João, da “colocação” Guarani, com o São João da Igreja Católica. João seringueiro foi um dos mártires dos desmandos dos antigos seringalistas, ou seja, patrões. Magro e fraco, foi obrigado a carregar muito peso e morreu. Tempos depois, dois amigos seus perderam-se durante uma caçada, e fizeram uma promessa à alma de João para encontrar o caminho de casa. Imediatamente acharam a cova de João e dali sabiam o caminho de volta. Cumpriram a promessa e fizeram uma capela, no meio da mata, aproximadamente 52 quilômetros de Xapuri (Acre). |
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Francisco Alves Mendes filho nasceu em Seringal Cachoeira (Acre) em 1944 e morreu em Xapuri (Acre) em 1988. Chico foi o sexto seringueiro assassinado em 1988 em Xapuri. Foi vereador pelo PMDB e um dos fundadores do PT em seu Estado em 1980. Membro da direção da CUT e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. |
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Na casa de Chico Mendes, que virou museu, cinco seringueiros revezam-se a cada semana para guardar a memória do líder assassinado. Azul de janelas rosas, amarela por dentro, de madeira, a casa tem quatro peças, e um banheiro externo, a uns três metros de distância, ao lado do qual tocaiaram-se os assassinos. Dentro da casa, medalhas e diplomas de prêmios internacionais (da ONU e da Sociedade por um Mundo Melhor, de Nova Iorque), títulos de personalidades do ano (Acre) e de cidadão do Rio de Janeiro. Na estante, alguns best-sellers e a história da República Brasileira, em numerosos volumes. |
Raimundo |
Raimundo e Julio são os sucessores de Chico Mendes. Raimundo, 43 anos, moreno magro de pernas compridas e olhos mansos, é o herdeiro natural. Julio, também moreno, 34 anos, é liderança nova, que o próprio Chico estava formando, pensando na sucessão no sindicato. |
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De Xapuri a “pimenteira” são duas horas e 50 minutos a pé. No ritmo dos seringueiros anda-se seis quilômetros por hora. Eles param às vezes à margem de algum igarapé para beber água num copo feito de folha dobrada. Raimundo explica como os igarapés estão ficando secos por causa do desmatamento. Antes, eles enchiam e formavam alagações já em outubro e novembro, quando inicia o inverno amazônico, a estação de chuvas. De dois anos para cá, o verão – ou seca, de abril a setembro – ficou mais quente e os igarapés só começam a alagar em janeiro. |
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O transporte comum da região |
A “colocação” de João Batista fica no caminho de “pimenteira”. João está no roçado. Em sua casa todos entram sem cerimônia. A casa é sobre estacas, pois a altura de meio metro evita cobras e permite que a criação se abrigue embaixo da casa quando chove. O chão de ripas de paxiúba tem frestas que ventilam e permitem cair o cisco, deixando a casa sempre limpa. O teto é de cavacos, o fogão, à lenha, luz de lamparina, rede no quarto. Não há banheiro nem água encanada, mas tem um cachorro, chamado “Empresa”. A casa, de três peças, praticamente não tem móveis. Uma pequena penteadeira comprada em loja, com espelho e tudo. Sobre ela, o rádio enorme e antigo, marca Semp, o mesmo que se encontra em quase todas as casas de seringueiros. É pelo rádio que se escuta o Correio do Seringueiro, um programa de recados que atravessa os seringais informando doenças, casamentos, e dando recados pessoais: “Já comprei o remédio e custou três mil cruzados, estou esperando alguém para levar”, é um deles. |
Ilustrações de José Lanzellotti escaneadas do livro: Brasil, Histórias, Costumes e Lendas.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural - São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1988.
Textos de Cynthia Peter, Revista IstoÉ Senhor/1009, 38-45, 18/1/1989.
Fotos: Graciela Magnoni.