Sotaques
O bumba-meu-boi faz-se representar no que é comumente designado por sotaques, ou seja, o estilo individual de cada grupo, o seu ritmo característico, e que varia conforme o gosto estético da concepção, organização e formas de apresentação. O ritmo, o bailado, os instrumentos, o guarda-roupa, as toadas e o auto é que identificam um grupo do outro, mesmo quando são do mesmo conjunto.

Os sotaques atualmente existentes são os de Zabumba  ou Guimarães, onde a participação africana é mais acentuada; de matraca ou da Ilha, cujos elementos lembram os rituais indígenas; de Orquestra, basicamente de conteúdo europeu, e o de Pindaré e Viana (chamado agora de pandeirões), oriundo da Baixada, que, embora semelhante ao de matraca, se distingue pelo ritmo, pelos instrumentos e pelo guarda-roupa. Alguns autores registram um quinto sotaque, existente somente no município de Cururupu (MA) e que não se assemelha aos já citados.

Grupo Africano

Segundo Azevedo Neto, o Grupo Africano é identificado pelo uso do tambor de fogo e do zabumba¹ - instrumento que dá nome ao sotaaque, embora utilize também o maracá, o tamborinho e o tambor-onça. Contudo é o tambor de fogo e o zabumba que garantem o ritmo fogoso e vibrante, com traços de samba e macumba, enquanto os outros instrumentos dão o contraponto, ocupando todos os tempos do compasso. O tamborinho preenche os tempos vazios do compasso, enquanto, por seu turno, o tambor onça ratifica a marcação dos tempos e os maracás sublinham o ritmo.
É, o ritmo africano que serve de base para o bailado excitante, incisivo e sensual de ancas, braços, cabeças e pernas, em coleios, para a elaboração do passo, além de sobrepassos miúdos e repisados - encontrados também nos sambas, nos tambores de crioula e de mina. Trata-se de um bailado circular, cujos passos convergem para o centro, apresentando-se os brincantes com volumosos chapéus em forma de cogumelo, recobertos de fitas longas, vestindo pequenos saiotes e golas medievais.
 

Grupo Indígena

No Grupo Indígena, por sua vez, os instrumentos predominantes são o pandeirão e a matraca² que, juntos com o maracá e o tambor-onça, dão um ritmo mais lento, mais cadenciado, menos agressivo, mais festivo, altamente contagiante ao bailado de poucos gingados, de gestos bruscos, rápidos e curtos, semelhante à dança timbira. Deslocando-se em circulo, apresenta uma postura monótona e repetitiva, sempre em determinado sentido. Neste grupo, destacam-se os caboclos ou índios reais com seus grandes chapéus de pena de avestruz ou de pavão, com os penachos, as palas altas, os grandes capacetes. É o grupo que respeita mais o enredo original.

Grupo Branco

O Grupo Branco que já aparece neste século, fruto da diversidade de ritmos, não possui um grupo de instrumentos fixos, mas identifica-se pelos banjos, bumbos e taróis para o ritmo; saxofones, clarinetes e pistões para a harmonia, acompanhados pelo maracá³ para marcar o equilíbrio. O ritmo é um instante entre o batuque dos bois de matraca e baião. É um ritmo sacudido, brincalhão, alegre e gostoso, contagiante e com grande poder de comunicação. Há, nesse grupo, uma percepção estética maior para os bordados - laterais e frontais - onde sobressaem miçangas, canutilhos e paetês em desenhos elaborados com rigor. O bailado, herança européia das danças de salão, é feito em par, em duas fileiras, formando um só conjunto de homens, de mulheres ou de homens e mulheres.



1- Zabumba: é o nome chulo dado ao bombo, instrumento de percussão que exprime a pancada (Záz). Chega ao Brasil no século XVIII, torna-se popular nos sambas, batuques, maracatus, autos, pastoris e Zé Pereiras, constituindo a nota predominante dessas danças. Já o tambor de fogo é um instrumento tosco, feito de tronco de mangue ou siriba, ocado a fogo e recoberto de couro cru, preso à armação através de torniquetes de madeira, chamados cravelhas. É o instrumento utilizado pelas tribos para troca de informações.

2- Grande pandeiro com diâmetro de um metro aproximadamente, feito de madeira flexível e coberto por couro de cabra. As matracas formam um instrumento feito de peças de madeira que quando batem uma na outra no sentido vertical ou horizontal repinicam num som estridente.

3- Maracá: antigamente, instrumento feito de cabaça e cabo de madeira, cheio de pedras, grãos de milho ou chumbinho, que era adornado com penas e pintado de vermelho. Servia para dar ênfase às falas do pajés durante as curas. Hoje feito de latão, é o contraponto ou a batida comum aos três grupos.



Mídia e experiência estética na cultura popular: o caso do bumba-meu-boi / Francisca Ester de Sá Marques. - São Luís: Imprensa Universitária, 1999.
 
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