Colhedores de Café


A colheita do café ainda é manual e nela tem papel destacado a mulher, enquanto os homens trabalham com as máquinas, nas tarefas mais pesadas.
No paraná, o café determinou o aparecimento de cidades como: Londrina, Maringá, Arapongas, etc.
"A minha xícara de café é o resumo de todas as coisas que vi na fazenda e me vêm à memória apagada...
Na minha memória anda um carro de bois a bater as porteiras da estrada...
Na minha memória pousou um pinhé
gritando: crapinhé!
E passam uns homens que levam às costas jacás multicores com grãos de café.
E piscam lá dentro, no fundo de meu coração, uns olhos negros de cabocla a olhar ora mim com seu vestido de alecrim e pés no chão. 
E uma casinha cor de luar na tarde roxo-rosa... 
Um cuitelinho verde sussurrando enfiando o bico na catléia cor de sol que floriu no portão...
E os fazendeiros, calculando a safra do espigão..."
Cassiano Ricardo, Café Expresso
Somente no final do século XVIII é que a economia sulina ligou-se efetivamente ao mercado colonial brasileiro.  Com a mineração, no século XVIII, o gado muar tomou-se o meio básico de transporte interno e o charque passou a alimentar toda a escravaria das áreas de produção para exportação, principalmente as produtoras de açúcar e café.

 
O Café

Quando, no começo do século XVIII, o café foi introduzido no Brasil, a infusão feita com os frutos desta planta já era conhecida e apreciada na Europa, onde rivalizava com o chá e outras bebidas estimulantes.  Não sabemos com segurança a origem do café que veio para cá, nem a data exata de sua introdução em nosso pais. Hipóteses sem confirmação documental indicam Meio Palheta e o ano 1727 como o protagonista e a data deste fato.
No Velho Mundo, no entanto, a coffea arábica já tinha certa penetração, como produto de luxo, sendo indicada como paliativo para várias enfermidades "Seca todo o humor frio, expulsa os ventos, fortifica o fígado, alivia os hidrópicos pela sua qualidade purificante, igualmente soberana contra a sarna e a corrupção do sangue, refresca o coração e o bater vital dele; alivia aqueles que têm dores de estômago e que têm falta de apetite; é igualmente bom para as indisposições frias, úmidas ou pesadas do cérebro... O fumo que sai dela (vale) contra as defluxões dos olhos e os barulhos dos ouvidos, é soberana também para a respiração curta, para as constipações que atacam o pulmão, as dores nos rins, os vermes; alívio extraordinário depois de ter bebido demasiadamente ou comido.  Não há nada melhor para os que comem muita fruta ", como dizia um anúncio parisiense.
Em breve, as casas onde era servido (os "cafés") passaram a ser uma espécie de ponto de encontro dos elegantes e dos intelectuais de Paris, Londres e outras cidades.  Locais onde se tomava uma taça de fumegante "Mokka", enquanto se discutia política e filosofia, criticava-se Bossuet e lia-se Rousseau e  Adam Smith...
Pilagem do Café: Litografia de Charles RibeyrolesMas o café chegara ao Brasil em má hora.  A mineração atraía a maior parte do capital e da mão-de-obra disponíveis, pouco sobrando para as atividades de lavoura.  "Apesar de sua relativa antiguidade no pais... a cultura de café não representa nada de apreciável até os primeiros anos do século XIX.  Disseminara-se largamente no país, do Pará a Santa Catarina, do litoral até o interior (Goiás); mas apesar desta larga área de difusão geográfica, o cafeeiro tem uma expressão mínima no balanço da economia brasileira.  Sua cultura destina-se, aliás, mais ao consumo doméstico das fazendas e propriedades em que se encontra. Comercialmente, seu valor é quase nulo."
Somente -no começo do século XIX, quando o renascimento das atividades agrícolas no Brasil ocorreu, é que o café começou a projetar-se como um produto economicamente importante para o país.  Mesmo assim, nesse período ainda não mostrava a força de expansão que teria a partir da década de 1830 ( 43,8% ), uma vez que o açúcar e o algodão até então apareciam como os dois produtos de exportação fundamentais para o comércio exterior brasileiro.
Até ao fim do século XVIII, os dois grandes núcleos controladores do mercado mundial de café eram Londres e Amsterdã, pois as colônias inglesas e holandesas eram os maiores produtores da planta; mas, a partir daí, os Estados Unidos, recém-independentes, passaram também a desempenhar o papel de grandes consumidores.  Os norte-americanos preferiam negociar diretamente com produtores que não fossem colônias da Inglaterra e da Holanda, passando a comprar café brasileiro , o que proporcionou um grande estímulo a este tipo de lavoura no Brasil.

 O Café Fluminense e Vale-paraibano - Os requisitos geoclimáticos do café colocam-no na categoria de um vegetal "exigente".  As temperaturas não podem ser muito elevadas nem muito baixas; o tipo do solo e sua qualidade nutritiva são bem determinados; os índices de precipitação pluviométrica devem ser regulares e bem distribuídos pelo ano. Trata-se, ao mesmo tempo, de uma planta que demora a dar seus primeiros resultados produtivos (em geral, cinco anos), ao contrário da cana-de-açúcar, por exemplo, cuja primeira safra já se dá no primeiro ano após o plantio.
Foi na região sudeste do Brasil (Rio de Janeiro, sudeste de Minas Gerais, São Paulo) que o café encontrou tais condições favoráveis para seu desenvolvimento.  O nordeste, tradicionalmente açucareiro e produtor de algodão, passando por uma crise econômica, não se adaptaria às novas lavouras, também pelas suas exigências climáticas.
Nesse quadro, coube ao Rio de Janeiro a primazia do estabelecimento das grandes fazendas de café, a partir do seu litoral, espalhando-se pelas áreas montanhosas próximas, descendo para o sul, em direção a Angra dos Reis e Parati, para finalmente atingir o litoral norte de São Paulo (Ubatuba, Caraguatatuba e São Sebastião).  Essa foi a primeira zona cafeeira importante do Brasil: em 1806, essa região exportou 1 233 675 kg de café, um terço dos quais para os Estados Unidos. "A trajetória comercial do café começaria, sem mais tardar, num salto para a província fluminense, onde seguiria, nos primeiros tempos, a trilha da lavoura canavieira, para depois tomar seu próprio caminho serra acima.  Rumando para noroeste da província estabeleceu em São João Marcos e Resende os seus centros mais importantes; para o norte fixou-se em Vassouras, Valença e Paraíba do Sul; tempos depois demandaria o leste, tendo Cantagalo como o seu ponto de apoio."
Secagem do caféOs dados disponíveis mostram-nos que, por volta de 1820, a região fluminense ainda não havia atingido o máximo de sua prosperidade cafeeira, pois não existiam propriedades com mais de 20 mil pés de café em todo aquele território.  Após a independência, com o aumento da procura do produto no mercado mundial e o conseqüente aumento de preços, houve uma aceleração no crescimento das plantações de café, que começaram a se expandir no rumo do vale do rio Paraíba.  "Subindo o Paraíba em direção a São Paulo, tomaram notável incremento em Bananal e Areias, onde se contavam, respectivamente, 82 e 238 fazendas de café , no ano de 1837, segundo dados do Marechal Daniel Pedro Müller." 
Na passagem do ano 1837 para 1838, o café já conseguia ultrapassar o açúcar na pauta de exportações brasileiras, correspondendo agora a mais da metade do valor das relações comerciais externas do país.  Eram os primeiros sintomas importantes dos novos rumos significativos da economia do Brasil.  No Rio de Janeiro e no vale do Paraíba formavam-se as imensas fortunas dos "barões do café", que foram um dos firmes sustentáculos do império até à sua queda, em 1889.
"Até o terceiro quartel do século passado, toda essa área que abrange a bacia do Paraíba e regiões adjacentes será o centro por excelência da produção cafeeira do Brasil. Comercialmente, orienta-se para o Rio de Janeiro, que é o porto de escoamento do produto e por isso seu centro financeiro e controlador. Pouco depois da metade do século passado, esta área representa o setor mais rico e progressista do país, concentrando a maior parcela de suas atividades econômicas.  Atinge também, pela mesma época, o auge de seu desenvolvimento; logo virá o declínio.  Repetia-se, mais uma vez, o ciclo normal das atividades produtivas no Brasil: a uma fase de intensa e rápida prosperidade, segue-se outra de estagnação e decadência... A causa é sempre semelhante: o acelerado esgotamento das reservas naturais por um sistema de exploração descuidado e extensivo." Caio Prado Jr. mostra como o desmatamento indiscriminado, a erosão, a má distribuição dos pés de café, transformaram a esfuziante prosperidade do café vale-paraibano em um melancólico declínio, após algumas dezenas de anos.

 O Café em São Paulo - "A superioridade manifestada pela e economia cafeeira no Primeiro Império e na Regência, transformou-se numa força avassaladora no Segundo Império." Foi exatamente durante essa época, correspondente à segunda metade do século XIX, que o café encontrou, no Brasil, a zona ideal para o seu cultivo: o oeste paulista, na região que vai de Campinas a Ribeirão Preto.  Ali, onde até meados do século passado desenvolvera-se uma lavoura canavieira de importância, começaram a surgir, plantados na terra roxa, os grandes cafezais.  "Em 1836," escreve Sérgio Buarque de Holanda, "Campinas produz apenas 8 801 arrobas de café e ocupa o nono lugar entre os principais municípios cafeeiros . . . Em 1854, com 335 550 arrobas, quase quarenta vezes mais, passa a quarto lugar, logo depois de Bananal, Taubaté e Pindamonhangaba.  Limeira, por sua vez, que não figurava entre os produtores de café recenseados, situa-se, dezoito anos depois, com 121 800 arrobas, em nono lugar, acima de Paraibuna, Vila Bela, Moji das Cruzes e Guaratinguetá," estas, cidades vale-paraibanas.
De acordo com os dados de Afonso Taunay, em sua "Pequena História do Café no Brasil," enquanto no decênio de 1841-1850 a produção brasileira foi de 17 121 sacas de 60 quilos, no decênio seguinte ela saltou para 26 253 sacas.  A contribuição de São Paulo para esses índices já era, nessa época, de cerca de 15% do total.  O porto de Santos  , cuja primeira remessa de café para o exterior data de 1792, passaria a ser o primeiro centro portuário de exportação do produto durante a década de 1860.

Café, óleo de 1934, de Cândido Portinari
"Em matéria de organização, a lavoura cafeeira seguiu os moldes tradicionais e clássicos da agricultura do país: a exploração em larga escala, tipo plantação (a plantation dos economistas ingleses), fundada na grande propriedade monocultural trabalhada por escravos negros, substituídos mais tarde... por trabalhadores assalariados ." Sobre a adoção do trabalho livre nas fazendas do oeste paulista, devemos lembrar que o pioneiro desta iniciativa foi o Senador Nicolau de Campos Vergueiro, político e grande latifundiário, que trouxe, em 1847, "suíços e alemães para trabalhar em sua fazenda de Ibicaba, no município de Limeira”.  Apesar disso, a mão-de-obra assalariada só se tomaria importante no contexto da economia brasileira depois de 1870.
Segundo Roberto Simonsen, as primeiras fazendas de café, tanto no vale do Paraíba, como no interior de São Paulo, não possuíam mais do que 50 mil pés.  Aos poucos, principalmente nesta última área, surgiram fazendas que ultrapassavam a casa dos 400 ou 500 mil cafeeiros, para, mais tarde, chegarem a sobrepujar a casa dos 1100 mil pés.  Caio Prado indica que a maior fazenda de café do Brasil (a São Martinho, em Ribeirão Preto), chegou a possuir mais de três milhões de plantas.
O latifúndio de café seguia muito de perto o velho modelo do engenho açucareiro nordestino; tendia à auto-suficiência, com produção de bens de consumo local (agricultura de subsistência), possuía sua "casa grande", sua "senzala" (para os escravos) ou "colônias" (para os trabalhadores livres), suas oficinas de pequenos serviços, suas criações, etc.  O desenvolvimento das vias férreas, a partir da década de 1850 (como a São Paulo Railway, futura Santos a Jundiaí) não só diminuiu esse isolamento, como proporcionou ainda maior impulso ao café paulista, facilitando o escoamento do produto.
Nos últimos anos do século XIX, São Paulo já contribuía com quase a metade da produção global do país e as fazendas paulistas se constituíam em verdadeiras empresas no sentido moderno da palavra, com a utilização de máquinas agrícolas (arados, ventiladores, despolpadores e separadores de grãos) e com a sensível elevação do grau de divisão do trabalho, surgindo várias tarefas especializadas e aumentando a produtividade.
As duas importantes áreas de produção de café a fluminense e vale-paraibana de um lado, e a do oeste paulista, de outro - apresentavam-se assim com características diversas: escravismo intransigente nas primeiras e tendência a substituir o trabalho escravo pelo assalariado na segunda; aplicação de métodos rudimentares e essencialmente manuais na primeira e introdução de mecanização na segunda; baixo índice de especialização na primeira e aprofundamento da divisão do trabalho na segunda; os cafeicultores fluminenses e vale-paraibanos constituindo-se em verdadeiros latifundiários tradicionais, patriarcais, semelhantes à aristocracia açucareiro nordestina da época colonial, e os do oeste paulista já apresentando um tipo social mais próximo de uma burguesia agrária, empresários  no sentido capitalista do termo.
Resta-nos lembrar que, ao contrário das atividades econômicas que marcaram o período colonial, cujas fontes de financiamento do capital inicial foram externas (comerciantes holandeses e alemães, principalmente), no caso do café aconteceu o inverso, e as lavouras foram financiadas fundamentalmente com recursos internos .
No caso fluminense esses recursos foram obtidos principalmente de comerciantes cariocas, ligados ao mercado local ou que se dedicavam ao transporte de mercadorias (caravanas de mulas), e mesmo de um pequeno capital acumulado através das velhas lavouras de subsistência da região, cujo produto era vendido às áreas de mineração.
No oeste paulista houve, da mesma forma, certa acumulação de capitais graças às lavouras de açúcar e algodão e, principalmente, à criação de cavalos e mulas, cujo centro principal era a cidade de Sorocaba.  A utilização desse capital disponível foi fundamental para a formação das grandes fazendas de café dessa região.

Brasil - O Livro dos 500 anos / Vários Autores -  São Paulo: Editora Abril, 1996.
Brasil História / Antonio Mendes Jr., Luís Roncari, Ricardo Maranhão - São Paulo: Digitalmídia Editora Ltda, 1995.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural - São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1988.
Ilustrações de José Lanzellotti escaneadas do livro: Brasil, Histórias, Costumes e Lendas.
Pilagem do café: Litografia de Ribeyroles (Brasil Pitoresco).
Café, óleo de 1934, de Cândido Portinari
 
Volta para os Tipos Regionais
Volta ao Topo Vai para o Gaúcho