O Beato Nordestino


O cangaceiro procura fazer a justiça com as próprias mãos.
O beato, o penitente, procura uma justiça eterna.
Ambos são o fruto da desgraça da seca e de uma estrutura social cruel.
Quando chega a seca, o sofrimento, a espera, a morte, chegam também os penitentes.
Despontam nas estradas, desoladas, sem fim, com roupas esfarrapadas, semelhantes a um hábito religioso. Às vezes carregam uma cruz, ou trazem um carneirinho, imitando São João Batista.
Os penitentes são portadores de fome crônica.
Cabelos e barbas longas, alpergatas sertanejas.
Olhar parado. Falam uma linguagem incompreensível, misturada com rezas.
A conversa deles é quase sempre a mesma. Uns andam caminhando para encontrar com Jesus Cristo, outros dizem que receberam uma missão.
Assim surgem os líderes fanáticos, o Antonio Conselheiro (ver quadro abaixo), o beato Lourenço, herdeiro do famoso Padrim Cícero.
Os penitentes se dirigem aos santuários religiosos, quando não criam os seus, onde exibem milagres.
Antonio Conselheiro, o monge João Maria e outros socorriam os doentes e famintos, daí o grande êxito deles, ou de qualquer outro milagreiro que assim proceda.
Antônio Conselheiro

Antônio Vicente Mendes Maciel nascido em Quixeramobim, Ceará, em 1928 ou 1930 e falecido no arraial de Canudos em 22 de setembro de 1897. Liderou o movimento messiânico que resultou na Guerra ou Campanha de Canudos (1896-1897).

Antes de tornar-se pregador de vida ascética e errante pelos sertões do Ceará, Pernambuco, Sergipe e Bahia, foi comerciante, caixeiro, escrivão, solicitador – com o que se tornou conhecido por advogar questões populares – e mestre-escola.
Casado, foi abandonado pela mulher. Chegou à Bahia em 1874, já seguido de fiéis, vivendo de esmolas e com “os cabelos crescidos até os ombros, barba inculta e longa, face escaveirada e olhar fulgurante”, como retratou Euclides da Cunha. “A rezar terços e ladainhas e a pregar e dar conselhos às multidões que reúne...”, segundo um testemunho da época, peregrinou pelo litoral baiano, construindo e restaurando capelas, igrejas e cemitérios.
Exigente nos prolongados jejuns, abstinência de álcool, trabalho diário, Antônio Conselheiro inconscientemente preparava seu rebanho para a estupenda resistência que o imortalizaria, em formal desmentido às leis ecológicas e nutricionistas.
Em 1887, fundou o arraial de Bom Jesus (hoje Crisópolis), sua primeira “cidade santa”. 
Em número crescente, os beatos o seguiam e lhe obedeciam cegamente. Sua pregação passou a concentrar-se nos males provocados pela República, que, promovendo a separação dos poderes temporal e espiritual, diminuiu as atribuições seculares da Igreja. Defendia a monarquia, que considerava a “lei de Deus”, e proclamava que a República, por ter instituído o casamento civil, era a “lei do cão”. Via como “coisa do diabo” tudo o que não se enquadrasse em seu universo místico.
Em 1893, quando o governo central autorizou os municípios a cobrarem impostos no interior, os beatos, incentivados por Antônio Conselheiro, rebelaram-se contra a medida, arrancaram os editais e os queimaram em praça pública. Foram perseguidos por força policial e se fixaram numa fazenda de gado abandonada, às margens do rio Vaza-Barris, onde fundaram Canudos, a segunda “cidade santa”. 
Tolerado e, mesmo, protegido, ia vivendo com seu povo, quando houve rompimento com um comissário de polícia do Juazeiro, a quem o Conselheiro comprara e pagara madeiras que jamais foram entregues. O comissário aproveitou-se do cargo e os beatos reagiram às imposições policiais. Canudos tornou-se aos olhos oficiais um foco de insubmissão e povoado de facínoras em armas.
Começou a luta que parecia ser uma simples diligência de patrulha. Quatro expedições foram enviadas contra Canudos. Uma força militar da Bahia em janeiro de 1896 foi repelida. O Coronel Febrônio de Brito, em janeiro de 1897, com tropa do Exército, teve final de derrota. O Coronel Moreira César, março de 1897, caiu mortalmente ferido e sua força foi desbaratada deixando abundante armamento e munições aos jagunços. Em setembro do mesmo 1897 o General Artur Oscar de Andrade Guimarães comandou a quarta expedição, com canhões, generais, e quase 5.000 homens do Exército e Polícias Estaduais. 
Depois de vários encontros, Canudos foi cercado e os últimos quatro defensores do reduto foram mortos na manhã de 5 de outubro de 1897. O arraial foi incendiado, bombardeado, destruído. 
Exumado o cadáver de Antônio Conselheiro, deceparam-lhe a cabeça, que foi conduzida a capital baiana “para estudos”.



Brasil, Histórias, Costumes e Lendas / Alceu Maynard Araújo - São Paulo: Editora Três, 2000
Dicionário do Folclore Brasileiro - Câmara Cascudo, Rio de Janeiro: Ediouro Publicações S.A. sem data
Grande Enciclopédia Larousse Cultural - São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1988.
Ilustrações de José Lanzellotti escaneadas do livro: Brasil, Histórias, Costumes e Lendas.
 
 
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