Sepé Tiaraju


Ficou decidido pelo tratado de Madri, assinado em 1750, que a Espanha trocaria com Portugal sua possessão conhecida por Os Sete Povos das Missões, pela Colônia do Sacramento, que pertencia aos portugueses. Milhares de índios guarani, catequizados pelos jesuítas espanhóis, habitavam as Missões. Conforme o tratado, todos os habitantes das Missões tinham de deixar suas terras e se mudar para o território pertencente aos espanhóis.

Acontece que o prazo para a mudança era muito curto e os índios, que já estavam descontentes, não iam ter tempo de arrumar suas coisas. Os jesuítas interferiram, pedindo um prazo maior e aconselharam aos índios que se mantivessem obedientes e tranqüilos.
Embora os jesuítas não tenham conseguido mais tempo, como pretendiam, os índios pareciam estar conformados. De repente, eles se revoltaram, e isto, por causa de Sepé Tiaraju.

Sepé era um índio muito forte e admirado por todos, sobretudo pelas vitórias que acumulara nos jogos da tribo.
Certa manhã, Jussara, sua namorada, contou-lhe um sonho que tivera, onde um anjo lhe dizia que haverá grandes sofrimentos para o povo.
Padre Balda, um jesuíta muito estimado pelos índios, ouviu a conversa. Procurou acalmá-los, mas Sepé ficou realmente preocupado.
Não sem razão: as tropas espanholas e portuguesas estavam por perto, prontas a agir, caso as ordens não fossem cumpridas.
Padre Balda falou:
- De nada adiantará reagirmos, meus filhos. Apenas daremos às tropas motivo para nos atacar. Vamos em paz. Construiremos novas cidades e plantaremos novas lavouras.
Sepé pediu perdão ao jesuíta, dizendo que, pela primeira vez, era obrigado a lhe desobedecer. Não permitiria que seu povo entregasse aos portugueses o fruto de tantos anos de trabalho. Dali não sairiam. E prometeu que, no dia seguinte, acompanhado de quinhentos homens, atacaria o inimigo.
De nada adiantou o esforço do padre para convencer o valente guerreiro. No dia seguinte, ainda de madrugada, eles partiram a cavalo, ao encontro do inimigo.

Deu-se o combate entre os índios e os soldados portugueses, uma luta rápida e decisiva. Pouco valeram a coragem e o desprendimento de Sepé e sua gente, diante do número e das armas do inimigo. Os atacantes foram quase exterminados. Os poucos sobreviventes fugiram e Sepé caiu prisioneiro.
Quando Jussara foi avisada, desesperou-se. O padre procurou consolá-la:
- Sei quem é Sepé, minha filha. Se caiu prisioneiro, logo se libertará. Não se entristeça, que o veremos mais depressa do que pensamos.
No acampamento português, Sepé era arrastado à presença do general lusitano. Mandaram o índio beijar a mão do general, mas ele recusou-se:
- Ninguém me obriga a beijar a mão de outro homem. Depois, sou eu e não ele, o dono destas terras!
O general português explodiu uma gargalhada:
- Dono? Tu és apenas um pobre bárbaro, mais nada.
Sepé respondeu, com os olhos incendiados de raiva:
- Bárbaro? Você é mais bárbaro do que eu, pois pretende tirar a terra de seus legítimos proprietários, enquanto eu luto em defesa de meu povo!
Quando o chefe lusitano viu que, por mal, não conseguiria conquistar o índio, fingiu-se de amigo e lhe ofereceu fumo. Sepé recusou, dizendo que possuía fumo de melhor qualidade do que aquele. O português pretendia, realmente, conseguir de Sepé a revelação do lugar onde estavam escondidos os cavalos de seus guerreiros, para que pudesse apossar-se deles, deixando os índios sem meios para atacar. Assim, ele disse a Sepé:
- Se me contares onde estão os teus cavalos, terás imediatamente a liberdade.
Sepé assumiu um ar orgulhoso e responde:
- Não preciso esmolar liberdade: se eu quisesse libertar-me, não há forças capazes de me impedir.
Quem ouviu, não pode deixar de caçoar. O general português perguntou-lhe, sarcasticamente:
- Então, não temos forças capazes de te impedir a fuga? Essa é muito boa! E o que farias para sair daqui?
Sepé olhou firmemente o lusitano e exclamou:
- Isto!

Rápido como o raio, o índio escapou dos soldados que faziam roda e, montando no primeiro cavalo que encontrou, saiu em disparada. Quando os portugueses perceberam o que havia acontecido, ele já desaparecera numa nuvem de pó.

Nas Missões, o povo vibrou de alegria. Padre Balda abraçou-o, comovido:
- Eu sabia que você voltaria! Tinha certeza! Meu coração não me enganou!
Sepé revelou que agora odiava mais do que nunca o inimigo. A humilhação pela qual passara exigia vingança. O jesuíta percebeu a agitação que dominava o índio e lhe pediu que descansasse:
- Algumas horas de repouso acalmarão sua revolta. Vá para a rede e durma. Depois, seus pensamentos serão outros.
Sepé obedeceu. Exausto como estava, o ódio logo cedeu ao sono...
Alguns dias depois, como os índios não haviam deixado as Missões e o prazo se esgotara, as tropas portuguesas aguardavam a chegada das tropas espanholas, para, juntas, expulsarem os desobedientes.
Foi quando um soldado português entrou alvoroçado em seu acampamento, levando uma seta.
Tinha sido atirada por Sepé e trazia, espetada na ponta, uma mensagem de desafio. Foi mostrada ao chefe lusitano, que ficou furioso.
Os portugueses não viam a hora de atacar, mas tinha ordem de aguardar as tropas espanholas. Depois de muita espera, veio uma comunicação, informando que os espanhóis ainda demorariam algum tempo para se preparar.
O chefe português ficou ainda mais furioso, mas não teve outro remédio, senão mandar que seus soldados voltassem à fortaleza onde estavam aquartelados.
Quando a notícia chegou às Missões, o povo interpretou a retirada do inimigo como uma derrota e foi uma alegria imensa.
Um mês se passou. Tudo retomara ao que era antes. Os índios e os jesuítas faziam calmamente seus trabalhos rotineiros. Era a paz, a tranqüilidade...
Foi quando soou um grito que mudou completamente a vida daquele povo:
- Vamos ser atacados! Vamos ser atacados!
Era o temido ataque dos brancos. E vinham juntos, portugueses e espanhóis.
Sepé assumiu a chefia de sua gente. Os guerreiros corriam, na presa de se preparar para a guerra. Em vão, os jesuítas pediam que não resistissem, para evitar a mortandade. Os índios estavam por demais revoltados com a maldade dos brancos. Por que queriam tirar-lhes a terra? Que mal haviam feito? Preferiam morrer a sair da terra onde haviam nascidos e que adoravam.

Depois de tudo pronto, Sepé despediu-se de Jussara e partiu com seus guerreiros. Seguiu na frente, montado a cavalo, na mão direita a lança provocadora; na cabeça, o cocar de plumas multicores.
Inteligente, sabia que o inimigo era mais forte. Preferiu, pois, a luta de emboscada, o ataque rápido, a surpresa.
Sepé era visto em toda parte.
Desdobrava-se. Lutava com todas as forças que possuía, mas o inimigo era poderoso. Unidos, espanhóis e portugueses atacavam em massa. Os índios defendiam-se bravamente. Às balas dos atacantes, respondiam com suas flechas. Caíam homens dos dois lados. Depois, veio o combate corpo a corpo, brancos e índios confundindo-se no ardor da peleja.
Ah, o eterno egoísmo dos homens! Os portugueses queriam as terras e não se preocupavam com os sentimentos daquela gente. Recusavam-se a compreender o amor que os índios devotavam ao lugar. Queriam que eles saíssem e pronto!
E o combate continuou. Os índios lutavam com um ardor nunca visto. Uma coragem que desprezava as possantes armas do inimigo, deixando-o surpreso. Dentre os combatentes, sobressaía-se a figura de Sepé Tiaraju. Ele era invencível! Lutando como lutava, sem temor, sem a mínima cautela, já era para estar morto. Não se cansava. Era sempre o mesmo.
O inimigo percebeu que ele era o coração de seus guerreiros. Era sua presença que os animava. Resolveu, portanto, concentrar-se nele. Aos punhados, os soldados o atacavam, nem assim conseguiam vencê-lo.
Sepé foi rodeado por dez soldados. À sua volta, a luta prosseguia. O guerreiro enfrentou corajosamente os dez atacantes, mas era demais! E enquanto lhes dava combate, um deles conseguiu atingi-lo com a lança. Sentindo-se ferido, o índio ainda tentou resistir, agarrando-se ao pescoço do cavalo, mas fugiam-lhe as forças. Tudo escureceu. Seus braços não suportaram mais e ele caiu no chão, quase morto. Um soldado aproximou-se, montado a cavalo, e fitou, por um instante, o valente guerreiro; em seguida, apontando-lhe a arma, atirou.
Sepé estava morto. Deixara de existir o defensor dos povos das Missões.
Todos os índios que olharam para o céu viram um cavaleiro galopando um cavalo de fogo, envolto por uma luz azulada muito bonita. Na mão direita, o cavaleiro empunhava a lança. 
Era Sepé, indo ao encontro de Tupã.

Depois que ele morreu, os índios perderam grande parte da vontade que os fazia enfrentar forças tão superiores. Lutavam ainda, porém sem aquele ardor que sentiam, quando Sepé estava presente e, enfraquecidos, caíam um a um. O inimigo, agora com novo ânimo, atacava sem cessar. Já não era mais combate, tratava-se de perseguir os poucos índios que ainda estavam de pé.
Mais algumas cargas e as tropas espanholas e portuguesas nada mais tinham a fazer. Os poucos índios que escaparam, fugiram para o mato. Nas campinas, entre os corpos dos indígenas, estavam os inúmeros jesuítas, mortos quando tentavam proteger os nativos.
Vitoriosas, as tropas marcharam para as Missões.
Ajudados pelos jesuítas, o povo reuniu o que restou e partiu, de cabeça baixa, em busca de novas terras. Vencidos. Sem esperança.
Lentamente, a procissão foi deixando a cidade. Com olhos tristes, miraram pela última vez suas plantações verdejantes, suas ocas amigas, sua terra! Os algodoeiros, à distância, pareciam acenar-lhes com lenços brancos, despedindo-se.

 
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