Lenda da Sapucaia-Roca

Sapucaia-Roca é uma pequena povoação à margem do rio Madeira.
Pouco abaixo do lugar em que acha assentada, referem os índios que existiu outrora uma outra povoação, muito maior do que esta, e que um dia desapareceu da superfície da terra, sepultando-se nas profundidades do rio.

É que os Muras, que então a habitavam, levavam a vida desordenada e má, e nas festas, que em honra de Tupana celebravam, entregavam-se a danças tão lascivas e cantavam cantigas tão impuras, que faziam chorar de dor aos angaturamas, que eram os espíritos protetores, que por eles velavam.
Por vezes os velhos e inspirados pajés, sabedores dos segredos de Tupana, haviam-nos advertido de que tremendo castigo os ameaçava, se não rompessem com a prática de tão criminosas abominações.
Mas cegos e surdos, os Muras não os viam, nem os ouviam. E pois um dia, em meio das festas e das danças e quando mais quente fervia a orgia, tremeu de súbito a terra e na voragem das águas, que se erguiam, desapareceu a povoação.
As altas barrancas que ainda hoje ali se vêem, atestam a profundidade do abismo em que foi arrojada a povoação e os réprobos...
Depois, muitos anos depois, foi que começou a surgir a atual povoação, que ainda não pode
atingir ao grau de esplendor da fora submergida.
Foram de novo habitá-la os Muras; mas em breve, por entre a escuridão da noite começaram a ouvir, transidos de medo, como o cantar sonoro de galos, que incessante se erguia do fundo das águas.
Consultando os pajés, que perscrutavam os segredos do destino, declaram estes que aquele cantar de galos, ouvido em horas mortas da noite, provinha daqueles mesmos angaturamas, que deploraram outrora a misérrima sorte da povoação submergida e que, sempre protetores dos filhos dos Muras, serviam-se do canto despertador dos galos da Sapucaia-Roca submergida, para recordarem o tremendo castigo por que passaram seus maiores e desviarem a nova geração do perigo de sorte igual.
É este o fato que deu origem ao nome da povoação: Sapucaia-Roca.



Lendas Brasileiras / Câmara Cascudo. - Rio de Janeiro: Ediouro, 2000
Ilustração de J. Lanzellotti

 
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