O Guaraná

Há muitos anos, vivia na selva um casal de índios que era muito feliz. Os dois eram jovens, davam-se bem e toda a tribo gostava deles. Apenas uma coisa faltava, para que fossem completamente felizes: um filho.
Resolveram pedir esta graça a Tupã, que os premiou com um menino forte e sadio.
Toda a tribo ficou contente: agora, nada mais lhes faltava!
O tempo foi passando e a criança ficava cada vez mais forte e bonita. Era um menino muito vivo e tinha sempre alguma coisa com o que empregar o tempo. Se não estava ajudando sua mãe a fazer algum serviço, ia com o pai à caça ou à pesca, embora não gostasse de matar nenhum bicho. Quando não tinha mesmo nada que fazer, visitava os outros índios, com os quais sempre aprendia alguma coisa, pois era muito inteligente e curioso.
Por ter um coração cheio de bondade, era admirado por todos. Seus pais eram o casal mais feliz daquela tribo. Ninguém possuía um filho assim.
Pouco a pouco, o menino foi conhecendo a vida e os segredos da floresta, aonde ia sempre acompanhado.
Havia uma coisa que o deixava muito intrigado. Era Jurupari, o espírito do mal. Tinha ouvido alguns dos mais velhos falarem rapidamente sobre este demônio. Todas as vezes, porém, que o menino pedia que lhe contassem quem era e o que fazia Jurupari, eles nada diziam. Achavam que ele era muito novo para estas revelações. E, assim, este ficou sendo o único segredo que o menino desconhecia.

Tanto correu a boa fama do menino, que chegou aos ouvidos de Jurupari. E, a partir daquele momento, ele começou a observar cuidadosamente a criança. Como Jurupari podia ficar invisível, ninguém percebia que ele andava por perto.
Quanto mais o malvado observava o menino, mais raivoso ficava. Morria de inveja. Não podia suportar que alguém fosse tão inteligente e bondoso. Foi embora para a selva, tremendo de ódio e pensando: "Preciso vingar-me daquele menino. Não pode existir uma pessoa tão perfeita! É desaforo!"
O tempo foi passando e Jurupari não encontrava um modo de prejudicar o menino.
Uma vez, na mata, quando estava observando a criança, notou que ela era procurada pelas aves e pelos animais e ficava no meio deles, conversando com um, acariciando a cabeça de outro...
Jurupari ficou tão furioso, que assustou a todos: as aves saíram voando, os animais corriam como loucos e o pequeno, sem compreender o que havia acontecido, foi embora muito triste, pensando que os bichos não gostavam mais dele.
Como o menino gostava muito de frutas, procurava sempre ficar perto das árvores, escolhendo e comendo os frutos maduros.
Ao descobrir este seu costume, Jurupari teve uma idéia:
- Vou transformar-me em cobra! Quando menos esperar, será picado e não terá salvação! Jurupari ficou esperando nova oportunidade. Poucos dias depois, a criança apareceu outra vez.  Os frutos estavam luminosos e o menino correu para a árvore. O demônio transformou-se numa cobra e foi para perto do menino. Ele notou a presença da serpente, mas como não tinha medo de cobras, pois conhecia todos os seus costumes, continuou a comer calmamente. Ignorava que Jurupari podia transformar-se no que desejava. Ah! se os mais velhos lhe houvessem contado...
Jurupari tomou a cor da árvore e enrolou-se nela. O menino estava descendo, distraído, quando foi atacado pela serpente.
Quando o encontraram, caído, os olhos virados, as frutas jogadas no chão, foi uma tristeza sem tamanho. Todos choravam, inconformados. Seus pais gritavam tão alto que estremeciam as nuvens...
- Foi picada de cobra, vejam! - mostrou um índio.
- Não é possível! - exclamou o pai. Ele sabia lidar com as serpentes.
Um dos índios mais velhos, que até ali não dissera uma palavra, falou:
- Foi Jurupari. Era o único segredo da selva que o menino não conhecia.
E ninguém parava de chorar.
 

De repente, o ruído de um trovão cobriu todos os outros sons. Os índios ficaram assustados, pois o céu não apresentava nenhuma nuvem.
Somente a mãe do menino compreendeu a mensagem:
- a voz de Tupã. Ele quer dar-nos uma compensação. Deseja que plantemos os olhos do meu filho. Diz que deles brotará uma planta milagrosa, cujos frutos nos farão felizes!
Os índios atenderam e enterraram os olhos do menino. E deles nasceu o guaraná. Guará, na língua dos índios, significa "o que tem vida, gente," e , "igual, semelhante". Assim, traduzido, guaraná quer dizer: BAGOS IGUAIS A OLHOS DE GENTE.1
 


Guaraná (Paulinia cupana) – do tupi wara’ná. Arbusto trepador que tem propriedades excitantes, pelo conteúdo de cafeína e teobromina.

As sementes maduras do guaraná, depois de torradas e moídas, formam uma massa plásticas macia e homogênea de cor cinzenta, que, depois da defumação para secagem, muda para vermelho-escura, às vezes quase roxa, escurecendo com o tempo, devido à oxidação. É na fase de massa moldável que se preparam os “pães”, de formas cilíndricas, elípticas ou ovais, que, depois de adquirirem consistência extremamente dura e inalterável, são oferecidos no comercio. O “pão” de guaraná é constituído por massa duríssima e, para ser consumido, precisa ser desbastado com lima de aço ou, como o fazem as populações rurais da Amazônia, limado com o osso hióide (erradamente chamado de língua) do Pirarucu.

Como refrigerante, o nome guaraná é reservado à bebida não alcoólica, gasosa, que contenha no mínimo 1% de extrato de guaraná (produto resultante do esmagamento da semente de guaraná torrada), mais açúcar, acidulantes (como o ácido cítrico) e substâncias aromáticas. Muito difundido no Brasil, o guaraná é também exportado; tem ação refrigerante e tônica, sendo rico em cafeína.

No folclore, Guaraná de figuras, são enfeites fabricados com sementes de guaraná descartadas como inaproveitáveis para a alimentação, com as quais se faz a massa plástica e que se defuma para endurecer.
Verdadeiros artistas modelam objetos (bandejas, cálices, canetas), frutas (biribás, ananás, mungubas) e animais (antas, quatis, jacarés, macacos, tatus), que são comercializados como curiosidades ou lembranças de viagem pela Amazônia.

Os índios Maués preparam uma massa comestível com as sementes desse arbusto.2



1. Texto extraído do livro Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). - São Paulo: APEL Editora, sem/data
Ilustração de J. Lanzellotti
2. Grande Enciclopédia Larousse Cultural - São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1988.
 
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