Entes Fantásticos: Norte
Amao
Andorinha
Aru
Baíra
Bicho do Mato
Bicho Visagento
Boiúna
Bolaro
Caapora / Caipora
Caamanha / Mãe-do-Mato
Caruanas
Caruara / Caroara
Cavalo-Marinho
Cobra-Grande
Cobra-Maria
Companheiro do Fundo
Cumacanga
Iapinari
Juriti-Pepena
Jurupari
Macunaima
Mãe-da-Lua
Mãe-da-Peste
Mãe-da-Seringueira
Mãe-do-Fogo
Mãe-do-Mato
Mapinguari
Matintapereira
Matuiú
Motucu
Onça Pé de Boi
Visagem


Amao
Personagem divina que ensinou aos indígenas camanaos, do rio Negro, Amazonas, o processo de fazer beiju, farinha de mandioca, farinha de tapioca e várias outras coisas. Depois desapareceu para sempre.
Brandão de Amorim (Lendas em Nheengatu e Português, 289) ouviu a lenda em nheengatu:
“No princípio do mundo, contam, apareceu entre outras criaturas uma moça bonita. Não sabia de homem, seu nome era Amao. Uma tarde Amao foi para a beira do rio, aí sentou-se. No mesmo momento passou por junto dela porção de peixe, a pele deles, contam, brilhava de verdade. Ela meteu a mão no rio, pegou um peixe. O peixe fez-se forte na mão dela, pulou direto na sua concha, furou-a, depois tornou a saltar para o rio. Desde aí sua barrinha foi crescendo, quando chegou madureza de sua lua, ela teve um menino.
A criança já tinha duas luas, quando a mãe dele foi pescar de puçá peixinho na cabeça da
correnteza. O menino ela deixou deitado em cima da pedra. Já era meio-dia, Amao saiu, foi ver o menino, encontrou-o já morto. Carregou seu corpo que foi, chorou durante a noite; quando o sol apareceu, o menino falou deste modo: Minha mãe, repara como os animais e pássaros estão rindo de nós. Eles mesmos me espantaram para eu morrer. Agora, para eles não escarnecerem de ti, defuma-os com resina para virarem pedra. Assim somente ele falou.
Já com a tarde, Amao enterrou seu filho, à meia-noite virou pedra todos os animais. De manhã, contam, cururu, cujubim, pássaro-pajé, lontra, estavam já de pedra. Cobra-grande, raia, taiaçu, tapir somente não viraram de pedra porque foram comer para a cabeceira. Amao voou logo para a cabeceira, passou em cima duma pedra grande, aí encontrou taiaçu e tapir dormindo. Amao surrou primeiro no tapir, depois surrou no taiaçu, morreram ambos. Depois retalhou o tapir, o taiaçu, jogou carne deles no rio, deixou somente uma coxa de tapir, outra do taiaçu em cima da pedra; aí as virou pedra. Como cobra-grande e raia ainda estavam comendo no fundo d’água, ela fez um laço na beira do rio para agarrá-las. Já noite grande ouviu uma coisa batendo no laço, foi ver, encontrou a cobra-grande com a raia. Jogou nelas com resina, viraram de pedra imediatamente. 
Depois voltou para ensinar todos os trabalhos à gente da terra dela. Sentou um forno, mostrou como a gente faz beiju, farinha, farinha de tapioca, porção de coisas. Depois de ensinar tudo, Amao sumiu-se desta terra, ninguém sabe para onde!”  

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Andorinha
Entre os indígenas caxinauás, de raça pano, no Acre, há uma lenda da txunô, andorinha, conhecida literalmente em todo o Brasil.
“Um menino, ba-kö, divertia-se na roça, perseguindo uma andorinha e conseguiu agarrá-la. A txunô disse que não a matasse que ela o levaria para o céu onde viviam todos os antepassados do menino. O ba-kö aceitou, e a andorinha mandou-o segurar-se às suas penas e subiu. Entrou para o céu, encontrando o irmão de seu pai, sobrinhos, amigos.
Contou sua história a um tio e este lhe mostrou legumes, casas bonitas e o chão coberto de areia branca e fina. Lá de cima vêem tudo. O tio do menino fez comida e o ba-kö comeu e satisfez-se. E ficou vivendo no céu.
(Resumo, 4801-4850, J. Capistrano de Abreu, Rã-Txa hu-ni-ku-î, Rio de Janeiro, 1941). 

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Aru
Casta de pequeno sapo, que vive de preferência nas clareiras do mato e acode, numeroso, logo que se abre um roçado. Onde aru não aparece a roça não medra.
Aru transforma-se oportunamente em moço bonito, empunha o remo e vai buscar a mãe da
mandioca, que mora nas cabeceiras do rio, para que venha visitar as roças e as faça prosperar com o seu benéfico olhar. Somente as roças bem plantadas e que agradam à mãe da mandioca prosperam e tem chuva oportunamente. Aru foge das que não são conservadas bem limpas, e que são invadidas das ervas daninhas, e quando desce com a mãe da mandioca lhes passa a frente sem parar. (Stradelli, Vocabulário). 
Brandão de Amorim (Lendas, 293) colheu em São Gabriel, Rio Negro, creio que entre os
indígenas aruacos, embora narrada no idioma nheengatu, a lenda de Aru, chefe indígena, novo, forte, insaciável de prazer sexual. Aru encontrou, pescando na ilha da Palha, uma moça maravilhosamente bonita e estuprou-a. A moça que era Seusi, filha da lua e mãe das plantas, abortou imediatamente um pequenino sapo, chato e feio, que matou e com o sangue pintou o tuxaua e lhe presenteou com uma membi (flauta), feita com fios do seu cabelo. Aru voltou para a aldeia, tocando a membi encantada, e seus companheiros, apavorados de ouvir o canto da lontra (irara, mustélidas, Tayra barbara) tão perto do povoado, fugiram, precipitando-se no rio Negro. O tuxaua acompanhou-os, pulando também. Quando voltaram à tona d’água, “todos eles eram já cururu, para ficarem sendo neste mundo arus-cururus.” 

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Baíra
Ou Bairi, a entidade civilizadora dos indígenas parintintins ou cauaiuas do rio Madeira, no
Amazonas, de raça tupi.
Suas aventuras têm um sabor de malícia e de zombaria, lembrando o Macunaima dos taulipangues e o Poronominare dos barés. Ensinou aos parintintins a caça com visgo, a pesca com sangab (outro peixe fingido e posto nágua para atrair o bando), furtou o fogo ao urubu e mandou-o aos seus indígenas, por intermédio do sapo, que se tornou um pajé poderoso, o flechar de jirau ou de escada, os adornos com dentes de onça, etc.
(Nunes Pereira, Bahira e suas Experiências, Manaus, Amazonas, 1945, segunda edição). 

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Bicho do Mato
Rei ou governador das caças, é um caboclo grande e cinzento, que não permite que se mate bicho novo, nem que esteja amamentando; interdita a caçada às fêmeas, e, se isso acontecer, é preciso um voto propiciatório: levar um beiju e deixá-lo no mato para o bicho, do contrário o caçador será sempre infeliz.
Noutras regiões do norte brasileiro e para a população mestiça, o Pai do Mato, um gigante
benéfico, com atributos jurisdicionais do Curupira ou da Caipora. 

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Bicho Visagento
“Entidade sobrenatural, nome genérico para todos os sobrenaturais da mata ou da água.
Amazonas. Visagento é o que produz ou determina o fenômeno da visagem
Ver Visagem. 

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Boiúna
Mboi, cobra, una, preta, o mais popular dos mitos amazônicos.
Alfredo da Mata (Vocabulário Amazonense):
“Cobra escura, a Mãe-d’água, de tanto destaque no folclore amazonense por transformar-se em as mais disparatadas figuras: navios, vapores, canoas... Ela engole pessoas. Tal é o rebojo e cachoeiras que faz, quando atravessa o rio, e o ruído produzido, que tanto recorda o efeito da hélice de um vapor. Os olhos fora d’água semelham-se a dois grandes archotes, a desnortear até o navegante. Os acontecimentos os mais inverossímeis são atribuídos à Boiúna.”
Ver Cobra-Grande e Cobra-Maria. 

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Bolaro
Trata-se de um espírito que os tucanos, em conversa com estranhos, chamam de Curupira.
Caracterizam-se como indivíduo de pés virados para trás, que vagueia de preferência 
pelos igarapés em que se escondem os instrumentos de Jurupari, defendendo a estes da curiosidade feminina e infantil; chupa o cérebro de suas vítimas.
Ver Capelobo, Região Nordeste. 

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Caapora / Caipora
É o Curupira tendo os pés normais. De caá, mato, e pora, habitante, morador.
O padre João Daniel, missionário no Amazonas, 1780-97, informa sobre a significação primitiva do vocábulo: “Do que se infere que o diabo disfarçado de figura humana, Coropira, tem muita comunicação com os irmãos mansos e já aldeados; e muito mais com os bravos, a que chamam Caaporas, isto é, habitantes do mato”. (“Tesouro Descoberto no Rio Amazonas”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, II, 482).
O Curupira é um caapora, residindo no interior das matas, nos troncos das velhas árvores. De defensor de árvores passou a protetor da caça, talqualmente sucedeu à Diana greco-romana. Discute-se a existência do Caapora quinhentista, contemporâneo do Curupira, e não simples fusão posterior. Frei André Thevet (em inédito citado por Métraux, La Religion, 63) informa o pavor dos indígenas a um “esprit que les assiège durant la nuit”, chamado Agnan, Raa-Onan ou Kaa-Gerre. Jean de Léri denomina-o Kaegerre.
Gonçalves Dias (Brasil e Oceânia, 106) traduz facilmente Kaa, mato, e Gerre, ou Guerre,
corrutela de Guara, habitante, morador. O mesmo que pora, Kaagerre é informe e ameaçador como o Curupira de Anchieta. Os indígenas defendiam-se andando com um tição flamejante durante as jornadas noturnas. 
Esses fantasmas da noite fogem da claridade que os homens dominam. Negros e orientais viajam com fogos, amedrontando os bichos fabulosos que povoam as horas escuras.
É um mito tupi-guarani, emigrando do Sul para o Norte. 
Couto de Magalhães fixou-o como um grande homem coberto de pêlos negros por todo o corpo e cara, montado sempre num porco de dimensões exageradas. 
Émile Allain cita esse “géant velu monté sur un énorme porc sauvage”.
Ambrosetti, estudando o Caapora da Argentina, faz coincidir o desenho: “es un hombre velludo, gigantesco, de gran cabeza, que vive en los montes, comiendo crudos los animales que el hombre mata y luego no encuentra”. (Supersticiones, 87).
Em qualquer direção, pelo interior do Brasil, o Caapora-Caipora é um pequeno indígena, escuro, ágil, nu ou usando tanga, fumando cachimbo, doido pela cachaça e pelo fumo, reinando sobre todos os animais e fazendo pactos com os caçadores, matando-os quando descobrem o segredo ou batem número maior das peças combinadas. 
O Caipora pequeno e popular é o velho Curupira, sem a influência platina que Couto de
Magalhães aceitou, e possivelmente representa o Caapora inicial, o selvagem apenas, agigantado pelo medo que espalhava no mistério da floresta. O próprio Couto de Magalhães, querendo escrever em nheengatu gigante morador do mato, grafou Caapora-assu. Se o Caapora fosse um gigante, dispensaria o sufixo açu, aumentativo.
Por todo o nordeste do Brasil duas imagens verbais pintam o duende: fumar como o Caipora e assobiar como o Caipora. Dizem, nessa região, comumente o Caipora fazendo-o sempre uma indiazinha, amiga do contato humano, mas ciumenta e feroz quando traída. Quem a encontra fica infeliz nos negócios e tudo quanto empreender.
Do Maranhão para o sul o Caipora é o tapuia escuro e rápido. No Ceará, além do tipo comum, aparece com a cabeleira hirta, olhos de brasa, cavalgando o porco, caititu, e agitando um galho de japecanga (Smilax). Engana os caçadores que não lhe trazem fumo e cachaça, surra impiedosamente os cachorros.
Em Pernambuco (Barbosa Rodrigues) apresenta-se com um pé só, e este mesmo redondo, como o pé-de-garrafa, e o segue o cachorro Papa-Mel.
Na Bahia é uma cabocla quase negra ou um negro velho, e também um negrinho em que só se vê uma banda (Silva Campos), lembrando os Ma-Tébélés africanos (Blaise Cendrars) ou os Nisnas clássicos, evocados por Gustave Flaubert na Tentação de Santo Antão
Em Sergipe, quando não o satisfazem, mata o viajante a cócegas.
No Extremo Sul reaparece o homem agigantado. No Rio Grande do Sul (J. Simões Lopes Neto, Lendas do Sul, 89, Pelotas, 1913).
No Paraná é também um gigante peludo.
Em Minas Gerais e Bahia, ao longo do rio São Francisco, é um “caboclinho encantado, habitando as selvas”, com o rosto redondo, um olho no meio na testa (Manuel Ambrósio).
Por onde emigra, o nordestino vai semeando suas figuras e crenças. O Caipora, ou a Caipora, popularizadíssimo em sertão, agreste e praia, vai alargando a área geográfica do domínio.
No Chile há o Anchimallén, anão guia e protetor dos animais, ligando-se aos mitos ígneos, porque se pode transformar em fogo-fátuo. O Anchimallén entra em acordo com caçadores, mas exige sangue humano nos contratos. Dá igualmente infelicidade e anuncia a morte. Há várias semelhanças com o Yastay argentino, guiando as manadas de guanacos e vicunhas, defendendo-as da dizimação ou deixando-as matar se o caçador lhe oferece coca e farinha de chaclión (farinha de milho). O mesmo sucede nas regiões da erva-mate com a Coamanha, mãe-da-erva, apaixonando-se, auxiliando, enriquecendo o namorado, mas perseguindo e vingando bestialmente seu amor abandonado.
O Caipora, com o contato do focinho do porco, da vara de ferrão, do galho de japecanga ou da ordem verbal imperativa, ressuscita os animais mortos sem sua permissão, apavorando os caçadores.
Não conheço nem creio que exista ligação do mito do Caipora com o Batatão, o Boitatá ígneo. 
Bibliografia: Couto de Magalhães, O Selvagem, 137; Gonçalves Dias, Brasil e Oceânia, 105;
Beaurepaire Rohan, Dicionário de Vocábulos Brasileiros; Barbosa Rodrigues, 
Poranduba Amazonense, no estudo do “Kurupira”; Manuel Ambrósio, Brasil Interior, 71; Cornélio Pires, Conversas ao Pé do Fogo, 154; Luís da Câmara Cascudo, Geografia dos Mitos Brasileiros, com registro de depoimento de caçadores contemporâneos.
Donald Pierson, Brancos e Pretos na Bahia, 324-325, São Paulo, 1945, encontrou a versão que “o caipora pode ser afastado mastigando-se alho”, e registra um episódio que é variante do Mapinguari, em Silva Campos, LXXVI: “O Caipora existe mesmo. Assim como um soco no braço da gente deixa sinal vermelho, o Caipora também deixa sinais. Conheço um imigrante português, homem honrado e digno de fé, que foi avisado para não caçar às sextas-feiras. Ele riu-se do aviso e foi ao mato procurar jacus: achou um e atirou. O jacu voou para ele com as garras estendidas e arranhou-o cruelmente. Ele atirou outra vez. O jacu voltou e arrancou-lhe os olhos. Então ele ouviu uma voz dizer: “Você sabe que não deve caçar nas sextas-feiras”. Era o Caipora. O homem voltou cambaleando para casa e caiu sem sentidos na porta. Conheci bem esse homem”.
Essa interdição da caça nas sextas-feiras, como na estória do Mapinguari do rio Purus, referente aos domingos, identifica a influência católica da catequese.
Ver Curupira, Região Norte e Ossonhe, Região Nordeste.  

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Caamanha / Mãe-do-Mato
Ente fantástico que se supõe habitar a mata e que parece ser o próprio Curupira (Stradelli, 386, Vocabulário Nheengatu). 
Ver Mãe-do-Mato. 

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Caruanas
“Gênios que vivem no fundo dos rios e são chamadas auxiliar os pajés nas suas práticas fetichistas. Bichos do fundo. Chermont deriva de caru-ana tupi, sem explicar a significação. Parece-nos que a terminação ana seja contração de anga-ang-an-ana, espírito e caru uma aliteração de catu, bom. As Caruanas são tidas, ou são tidos os caruanas, como espíritos benfazejos. Os pajés os invocam para curar os pacientes, livrá-los de embaraços, de feitiços, etc.”
Eduardo Galvão, que realizou uma interessante pesquisa religiosa no Amazonas, encontrou o vocábulo caruanis e não mais caruanas. Caruana não provirá de cariua, sábio poderoso, senhor de segredos, feiticeiro, mágico (Montoya, Baptista Caetano, Stradelli) e o sufixo ramo, rama, rana, namo, valendo semelhante, parecido, igual? Daria, hipotéticamente, cariuarama, cariuana, caruana.
Ver Companheiro do Fundo. 

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Caruara / Caroara
Duende invisível, bicho fantástico amazônico. “Um bicho que inspira muito medo, é o que
descreve, à semelhança do bicho-de-pau que aparece nos quintais e capoeiras. Chamam 
de caruara. Como os outros, possui também mãe. É extremamente perigoso para as mulheres menstruadas, que, nessa condição, evitam andar pelo quintal ou atravessar as trilhas que dão nas roças ou nos caminhos para apanhar água. O cheiro da mulher nesse estado, afirma-se, que atrai a caroara, ou a mãe do caroara, que flecha a vítima. Os efeitos dessas flechadas são semelhantes aos do reumatismo. Aparecem dores, inchação dos membros e dificuldade de articulação. Em Itá, existem muitas mulheres com esses sintomas, e cuja doença é atribuída às flechadas de caroara. Aos homens, esses bichos não parecem fazer qualquer mal.”
No norte do Brasil, é uma moléstia que ataca o gado, trazendo-lhe inchação e paralisia nas pernas e corrimentos. Com o mesmo nome se conhece uma espécie de formiga, que dá nas árvores, cuja mordedura coça como sarna, e também uma qualidade de abelha, cujo mel é nocivo. A cidade de Caruaru, em Pernambuco, significa caruar-ú, aguada das caruaras, água que produzia a moléstia no gado. 

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Cavalo-Marinho
Animal encantado que vive no mar ou nos rios. De origem oriental, o cavalo-marinho, de
resplandecente alvura, crinas e caudas de fios dourado, aparece nos contos tradicionais e nos episódios narrados como pessoais. Ocorre nas Mil e uma Noites (primeira viagem de Simbad) e há vários registros seus no Brasil.
O Cônego Francisco Bernardino de Sousa (Lembranças e Curiosidades do Vale do Amazonas, 93, Pará, 1873) registra uma versão antiga, referente a uma olha denominada Cavalo-Marinho, no rio Uaicurupá, município de Vila-Bela-da-Imperatriz (hoje Parintins): “É crença geral entre os índios, e que se foi transmitindo também à gente civilizada que por ali habita, que no cimo da colina existe um lago, que é habitado por um grande peixe, que tem as formas de um cavalo. Daí, pois, o nome de ilha do Cavalo-Marinho. Sendo ela toda de terra firme, isto é, não sujeita às inundações, de belo aspecto e de terreno próprio para a lavoura, é, entretanto, tal o terror que incute o fantástico monstro que ninguém ousou ainda explorar a ilha, achando-se ela completamente deserta. No verão, e quando as praias mostram-se descobertas, encontram-se em diferentes pontos uns resíduos, nos quais notam-se ossos, cabelos, escamas, penas, etc. Dizem os índios que são as fezes lançadas pelo peixe misterioso.”
Quem encontrar o Cavalo-Marinho ficará rico com os cabelos das crinas e caudas, todos de ouro puro e reluzente.
Hipocampo: Monstro fabuloso, metade cavalo, metade peixe. 

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Cobra-Grande
O mito mais poderoso e complexo das águas amazônicas. Mágica, irresistível, polifórmica,
aterradora. “A Cobra-Grande, tem a princípio, a forma de uma sucuriju ou uma jibóia comum. Com o tempo adquire grande volume e abandona a floresta para ir para o rio. Os sulcos que deixa à sua passagem, transformam-se em igarapés. Habitam a parte mais funda do rio, os poções, aparecendo vez por outra na superfície. Durante nossa estadia em Itá, houve ocasiões em que nenhum pescador atreveu-se a sair para o rio à noite, pois em duas ocasiões seguidas foi avistada uma Cobra-Grande... pelos olhos que alumiavam como tochas. Foram perseguidos até a praia, somente escapando porque o corpo muito grande encalhou na areia. Esses pescadores ficaram doentes do pânico e medo da experiência que relatavam com real emoção.” (Eduardo Galvão, Santos e Visagens, 98-99, Brasiliana, 284, S. Paulo, 1955). Eduardo Galvão confirma a Cobra-Grande tornar-se navio encantado. Misabel Pedrosa disse-me que a Cobra-Grande mora debaixo do cemitério do Pacoval, na ilha de Marajó (1964).
Ver Boiúna e Cobra-Maria. 

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Cobra-Maria
Animal fabuloso do rio Solimões, Amazonas, cobra gigantesca, com poderes mágicos. É uma variante local de Cobra-Grande, a Mboia-Açu. É uma tapuia encantada em uma cobra. Vejamos: a filha de um pajé deitou-se levar pelo amor de um emigrante, concebendo dois filhos gêmeos: José e Maria. Quando o velho pajé soube do caso, calou-se e, quando as crianças nasceram, matou a filha e atirou-as na água, morrendo José; Maria foi protegida da Iara e hoje faz tudo quanto quer; é muita coisa na água. Aparece sempre à noite. Os seus olhos são como os de Anhangá, duas tochas de fogo. Não tem ouvido falar numa cobra enorme, que derruba barrancos, afunda canoas, encalha navios e tem feito muitos valentes agonizar de fraqueza? Pois é a Cobra-Maria ( Quintino Cunha, Pelos Solimões, 322, Paris, sem data).
Ver Boiúna e Cobra-Grande. 

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Companheiro do Fundo
“Entre os sobrenaturais que se acredita habitar o fundo dos rios e dos igarapés ou dos poções, estão os companheiros do fundo, também chamados caruanis. Habitam um reino encantado, espécie de mundo submerso. O reino é descrito à semelhança de uma cidade, com ruas e casa, mas onde tudo brilha como se revestido de ouro. Os habitantes desse reino do fundo dos rios têm semelhança com criaturas humanas; sua pele é muito alva e os cabelos louros. Alimentam-se de uma comida especial que, se provada pelos habitantes deste mundo, os transforma em encantados que jamais retornam do reino. Os companheiros do fundo agem como espíritos familiares dos pajés ou curadores. A concepção desses companheiros é algo de vago para o leigo. Alguns acreditam que sejam botos, considerados extremamente malignos. Outros distinguem entre companheiros e botos, classificando estes últimos em uma categoria especial de seres encantados. 
Uma ou outra concepção lhes atribui realidade, existência. No primeiro caso, as criaturas tomam a forma de boto, mas, no fundo, têm a semelhança de humanos.
Ver Caruanas. 

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Cumacanga
O lobisomem, cuja cabeça se solta do corpo, e que denominam Cumacanga, é sempre a concubina de um padre, ou a sétima filha do seu amor sacrílego. O corpo fica em casa e a cabeça, sozinha, sai, durante a noite de sexta-feira, e voa pelos ares como um globo de fogo. 
Curacanga: “Quando qualquer mulher tem sete filhas, a última vira Curacanga, isto é, a cabeça lhe sai do corpo, à noite, e, em forma de bola de fogo, gira à toa pelos campos, apavorando a quem encontrar nessa estranha vagabundeação. Há, porém, meio infalível de evitar-se esse hórrido fadário: é tomar a mãe a filha mais velha para madrinha da ultimogênita.”
A Cumacanga é do Pará e a Curacanga, idêntica, é do Maranhão.
A cabeça luminosa é um elemento comum aos mitos do fogo, punição, encanto, indicação de ouro ou contos etiológicos. 
Os indígenas caxinauás, panos do Estado do Acre, explicam a origem da Lua como uma cabeça que subiu ao céu. 

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Iapinari
Filho de mulher virgem, Iapinari nasceu cego e recobrou a visão, esfregando o sumo dos olhos do cancão (Cianocorax cyanoleucus). Era grande tocador de membi, tornando-se famoso. Ficaria cego, se a mãe descobrisse a outra pessoa o segredo que lhe dera a luz dos olhos. Apaixonada por um moço, a mãe de Iapinari contou o segredo, e o filho voltou a cegar, precipitando-se no rio, onde se tornou um rochedo. A mãe, moças e rapazes da tribo que seguiram Iapinari, também ficaram encantados. Lenda do rio Uaupés, rio Negro, Amazonas. 
A pedra Iapinari fica entre as cachoeiras de Tucunaré e Uaracapuri. 

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Juriti-Pepena
Superstição do Pará, em que se crê na vinda de uma juriti invisível que canta numa touceira de tajás. Os pios lamentosos da ave misteriosa anunciam desgraças, que serão evitadas por um feiticeiro, pajé, mestre, que saiba rezar, afastando o presságio. Se não for evitada a profecia da juriti-pepena, a vítima ficará aleijada. 

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Jurupari
O demônio, o espírito mau, segundo todos os dicionários e os missionários, exceção feita do Padre Tastevin. “A palavra jurupari parece corrutela de jurupoari”, escreve Couto de Magalhães em nota (16) da segunda parte do Selvagem, que ao pé da letra traduziríamos - boca mão sobre: tirar da boca. Montoia (Tesoro) traz esta frase: - che jurupoari - tirou-me a palavra da boca.>
O Dr. Batista Caetano traduz a palavra: “Ser que vem à nossa rede, isto é, ao lugar onde
dormimos.” Seja ou não corruta a palavra, qualquer das duas traduções está conforme a tradição indígena e, no fundo, exprime a mesma idéia supersticiosa dos selvagens, segundo a qual este ente sobrenatural visita os homens em sonhos e causa aflições tanto maiores quanto trazendo-lhes a faculdade da voz. Esta concepção que poderá ser a que criaram as amas-de-leite, amalgamando as superstições indígenas com as de além-mar, tanto vindas da África como da Europa, não é a do nosso indígena. Para ele Jurupari é o legislador, o filho da virgem sem cópula, pela virtude do sumo da cucura do mato, e que veio mandado pelo Sol para reformar os costumes da terra, a fim de poder encontrar nela uma mulher perfeita, com o que o Sol possa casar. Jurupari, conforme contam, ainda não encontrou, e embora ninguém saiba onde, continua a procurá-la, e só voltará ao céu quando a tiver encontrado. Jurupari é, pois, o antenado lendário, o legislador divinizado, que se encontra como base em todas as religiões e mitos primitivos. Quando ele apareceu, eram as mulheres que mandavam e os homens obedeciam, o que era contrário às leis do Sol. Ele tirou o poder das mãos das mulheres e o restituiu aos homens e, para que estes aprendessem a ser independentes daquelas, instituiu umas festas, em que somente os homens podem tomar parte, e uns segredos que somente podem ser conhecidos por estes. As mulheres que os surpreendem devem morrer; em obediência desta lei, morreu Ceuci a própria mãe de Jurupari. Ainda assim, nem todos os homens conhecem o segredo; só o conhecem os iniciados, os que, chegados à puberdade, derem prova de saber suportar a dor, serem seguros e destemidos. Os usos, leis e preceitos ensinados por Jurupari e conservados pela tradição ainda hoje professados e escrupulosamente observados por numerosos indígenas da bacia do Amazonas, e embora tudo leve a pensar que Jurupari é um mito tupi-guarani, todavia, tenho visto praticadas suas leis por tribos das mais diversas proveniências, e em todo o caso largamente influíram e, pode-se afirmar, influem ainda em muitos lugares do nosso interior sobre usos e costumes atuais, e o não conhecê-las tem de certo produzido mais mal-entendidos, enganos e atritos do que geralmente se pensa. Ao mesmo tempo, porém, tem permitido, como tenho dito mais de uma vez ocasião de 
observar pessoalmente, que ao lado das leis e costumes trazidos pelo cristianismo e civilização européia, subsistem ainda uns tantos usos e costumes, que embora mais ou menos conscientemente praticados, indicam quanto era forte a tradição indígena. 
Quanto à origem do nome, aceito a explicação que dela me foi dada por um velho tapuio, a quem objetava me ter sido afirmado que o nome de Jurupari quer dizer “o gerado da fruta” - Intimãã, Iurupari céra onheên putáre o munha iané iurú pari uá. Nada disso, o nome de Jurupari quer dizer que fez o fecho da nossa boca. - Vindo, portanto, de iuru boca e pari aquela grade de talas com que se fecham os igarapés e bocas de lagos, para impedir que o peixe saia ou entre. Explicação que me satisfaz, porque de um lado caracteriza a parte mais saliente do ensinamento de Jurupari, a instituição do segredo, e do outro lado, sem esforço se presta a mesma explicação nos vários dialetos tupi-guaranis, como se pode ver em Montoia, às vezes iuru e pari e às mesmas vozes em Batista Caetano (Stradelli, Vocabulário da Língua Geral, 497-498).
A origem tupi-guarani do mito é discutível. Foi divulgado, à força d’armas, no rio Negro, pelos indígenas da raça aruaca, vindos do Norte. É, geograficamente, o mito mais prestigioso, com vestígios vivos em quase todas as tribos. É um deus legislador e reformador, puro, sóbrio, discursador, exigente no ritual sagrado.
Jurupari-demônio é uma imagem da catequese católica do séc. XVI. D. Frederico Costa, Bispo do Amazonas, na “Pastorai” (11-4-1909), documento de informação etnográfica, não aceitou o satanismo de Jurupari, de quem expôs os oito mandamentos: 
 

1º A mulher deverá conservar-se virgem até a puberdade;
2º Nunca deverá prostituir-se e há de ser sempre fiel a seu marido;
3º Após o parto da mulher, deverá o marido abster-se de todo o trabalho e de toda a comida, pelo espaço de uma lua, a fim de que a força dessa lua passe para a criança;
4º O chefe fraco será substituído pelo mais valente da tribo;
5º O tuxaua (chefe) poderá ter tantas mulheres quantas puder sustentar;
6º A mulher estéril do tuxaua será abandonada e desprezada;
7º O homem deverá sustentar-se com o trabalho de suas mãos; 
8º Nunca a mulher poderá ver Jurupari a fim de castigá-la de algum dos três defeitos nela
dominantes: incontinência, curiosidade e facilidade em revelar segredos”. 


Os indígenas não adoravam Jurupari.
O bispo escreveu: “Parece também evidente que houve erro em identificar Jurupari com o
demônio”(53). Nenhum demônio possuirá as exigências morais de Jurupari. 
Stradelli estudou o mito, ouvindo indígenas e assistindo à cena do culto nos afluentes do 
rio Negro. O reformador instituiu nas cerimônias instrumentos musicais de sopro, especialmente uma longa trombeta de paxiúba, que um som cavernoso e profundo. As mulheres não podem, sob pena de morte, ouvir sequer esse som. Nem os instrumentos musicais, máscaras e outros apetrechos das danças de Jurupari podem ser vistos por mulher e mesmo rapaz não iniciado (Stradelli, “Legenda Dell’Jurupary,” Bolletino della Societá Geografica Italiana, terc. série, III, Luglio e segs., Roma, 1890, Em Memória de Stradelli, Manaus, 1936; Geografia dos Mitos Brasileiros, longo estudo sobre Jurupari; Renato Almeida, “Trombeta de Jurupari”, opus cit., 44-48). 

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Macunaima
E não Macunaíma, entidade divina para os macuxis, acavais, arecunas, taulipangues, indígenas caraíbas, a oeste do “plateau” da serra Roraima e Alto Rio Branco, na Guiana Brasileira.
A tradução da Bíblia para o idioma caraíba divulgou Macunaima como sinônimo de Deus.
Makonàima Yakwarri otoupu tona poropohru; o espírito de Deus pairava sobre as águas (Gênese, 1, 2) traduzido pela “Society for Promoting Christian Knowledge”, de Londres.
Criador dos animais, vegetais e humanos, Macunaima é gêmeo de Pia, vingadores de sua mãe, morta pelos tigres, filhos de Konaboáru, a Rã da Chuva, e que mora nas Plêiades (Gilberto Antolínez, Hacia el Índio y su Mundo, 170, Caracas, 1946). 
Com o passar dos tempos e convergências de tradições orais entre as tribos, interdependência cultural decorrentes de guerras, viagens, permutas de produtos, Macunaima foi-se tornando herói, centro de um ciclo etiológico, zoológico, personagem essencial de aventuras e episódios reveladores do seu espírito inventivo, inesgotável de recursos mágicos, criando os homens de cera e depois de barro, esculpindo animais, transformando os inimigos em pedras, que ainda guardam a forma primitiva. Tornou-se um misto de astúcia, maldade instintiva e natural, de alegria zombeteira e feliz. É o herói das estórias populares contadas nos acampamentos e aldeados indígenas, fazendo rir e pensar, um pouco despido dos atributos de deus olímpico, poderoso e sisudo. 
Theodor Koch-Grunberg, 1872-1924, reuniu a melhor e maior coleção de aventuras de
Macunaima nessa fase popularesca, no Vom Roroima Zum Orinoco (Ergebnisse Einer Rise in Nordbrasilien und Venezuela in den Jahren, 1911-1913), n.º II, Berlin, 1917. Algumas dessas estórias foram traduzidas pelo Dr. Clemente Brandenburger e publicadas na Revista de Arte e Ciência, n.º 9, março de 1925, Rio de Janeiro (“Lendas Índias da Guiana Brasileira”).
Denominou um romance de Mário de Andrade de Macunaíma. O herói sem nenhum caráter. Rapsódia, São Paulo, 1928. 

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Mãe-da-Lua / Urutau / Jurutau (Caprimulgidae)
Ave noturna, seu canto melancólico e estranho, lembrando uma gargalhada de dor, cercou-a de misterioso prestígio assombrador. Está rodeada de lendas superstições, espavorindo a gente do campo, personalizando fantasmas e visagens pavorosas. Só quem haja ouvido o grito da mãe-da-lua pode medir a impressão sinistra e desesperada que ele provoca durante a noite. 
A jurutauí, um pouco menor, mas também chamada mãe-da-lua (Nyctibius jamaicensis), tem aplicação curiosa contra a sedução sexual. José Veríssimo registrou: “A pele da ave noctívaga jurutauí preserva as donzelas das seduções e faltas desonestas. Conta-se que antigamente matavam para isso uma destas aves e tiravam a pele que, seca ao sol, servia para nela assentarem as filhas, justamente nos três primeiros dias do início da puberdade. Parece que esta posição era guardada por três dias, durante os quais as matronas da família vinham saudar a moça, aconselhando-a a ser honesta. No fim desses dias, a donzela saía curada, isto é, invulnerável à tentação das paixões desonestas, a que seu temperamento, destarte modificado pudesse atrair (Cenas da Vida Amazônica, 62, Lisboa, 1886). Veríssimo adianta que esse cerimonial fora abolido e que se limitada a varrer as penas de urutauí ou jurutauí. 
A guarani Nheambiú transformou-se em urutau por ter morrido seu amado Quimbae; noutra lenda (do rio Araguaia, entre os carajás) Imaeró se mudou nessa ave, porque Taina-Can (estrela-d’alva) preferiu sua irmã Denaquê para esposa. 

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Mãe-da-Peste
Para os indígenas todas as coisas, entidades e forças têm origem feminina, uma mãe, a Ci e é natural que as calamidades não escapem à lógica folclórica. Henry Walter Bates ainda encontrou, na cidade de Belém, em 1851, a indicação da Mãe-da-Peste, epidemia de febre amarela que invadira a região - “Algumas pessoas contaram que durante várias tardes sucessivas, antes de irromper a febre, a atmosfera era densa, e que um escuro nevoeiro, acompanhado de forte bodum (mau cheiro), ia de rua em rua. Este vapor inútil procurar dissuadi-los da convicção de que ele fosse precursor da pestilência”: O Naturalista no Rio Amazonas, 1.º, 371, S. Paulo, 1944. 

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Mãe-da-Seringueira
Fantasma amazônico, protetor da seringa, seringueira (Hevea brasilienses, Muell). Espécie de caapora (Luís da Câmara Cascudo, Geografia dos Mitos Brasileiros, 433):

 “Dizem que o Amazonas
 É um lugar arriscado,
 Além das feras que tem
 É muito mal-assombrado;
 Tem a mãe-da-seringueira,
 Uma visão feiticeira
 Que faz o homem azalado.

 Quando se vai tirar o leite
 Augura o aviso mau
 Sai na frente o freguês
 A cortar também o pau;
 Todo leite que tirar
 Não dá para um mingau!”

 
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Mãe-do-Fogo
É o próprio fogo ou a substância imponderável que o sustenta e dirige, origem do elemento, a mãe, a ci. Nesta acepção, diz-se no idioma tuoi Tatá-manha, mãe do fogo, ou Sacu-manha, mãe do quente. É, na população mestiça, sinônimo do Batatá, Batatão, o Fogo-Fátuo (Peregrino Júnior, Histórias da Amazônia, 54, Rio de Janeiro, 1936, que a escreve “Mãe-do-Fogo”). 

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Mãe-do-Mato
Superstição do Pará. “Notei que, nos acampamentos feitos dentro das matas, os trabalhadores, ao se encaminharem para o serviço, desatam as redes ou desarmam as camas, com medo de que a velha Mãe-do-Mato, protetora dos animais fabulosos, venha colocar em cada leito algum graveto de madeira, como sinal que possa fazer o efeito da morfina, prostando em sono profundo o incauto que ali se deitar, predispondo-o a ser devorado por esses animais” (Ignácio Baptista de Moura, De Belém a São João do Araguaya, Rio de Janeiro, 1910). A viagem é de 1896.
Ver Caamanha. 

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Mapinguari
É um animal fabuloso, semelhando-se ao homem, mas todo cabeludo. Os seus grandes pêlos o tornam invulnerável à bala, exceção da parte correspondente ao umbigo.
Segundo a lenda, é ele um terrível inimigo do homem, a quem devora. Mas devora somente a cabeça. De um velho tuxaua, já semi-civilizado, ouvi dizer que estava o antigo rei da região
(Mário Guedes, Os Seringais, 221-222, Rio de Janeiro, 1920).
J. da Silva Campos fixou a versão do rio Purus, Amazonas: “Um Mapinguari, aquele macacão enorme, peludo que nem um coatá, de pés de burro, virados para trás, trazia debaixo do braço o seu pobre companheiro de barraca, morto, estrangulado, gotejando sangue. O monstro, com as unhas que pareciam de uma onça, começou a arrancar pedaços do desgraçado e metia-os na boca, grande como uma solapa, rasgada à altura do estômago (Basílio de Magalhães, “Contos e Fábulas Populares na Bahia” in O Folclore no Brasil, 321-322).
Francisco Peres de Lima descreve o Mapinguari no Acre: “...este animal deriva-se dos índios que alcançaram uma idade avançada, transformando-se em um monstro das imensas e opulentas florestas amazônicas - ao qual dão o nome de Mapinguari. O seu tamanho é de 1,80m aproximadamente, a sua pele é igual ao casco de jacaré, os seus pés idênticos aos de uma mão de pilão ou de um ouriço de castanha” (Folclore Acreano, 103, Rio de Janeiro, s.d. [1938]). 
Fácil é ver o processo de convergência para o Mapinguari, gigante antropófago que vai tomando as características do Gorjala, do Pé-de-Garrafa, a invulnerabilidade, os pés invertidos do Curupira e Matuiú, etc. 
O Mapinguari continua assombrando pelas matas do Pará, Amazonas e Acre. No seu aspecto primitivo é idêntico ao Khoungouraissou, que o Coronel Prjévalki ouviu descrever no Han Sou, na Mongólia.
Luís da Câmara Cascudo, Geografia dos Mitos Brasileiros, “Ciclo dos Monstros”. 

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Matintapereira
Mati, mati-taperê; nome de uma coruja, que se considera agourenta.
Quando, a horas mortas da noite, ouvem cantar a mati-taperê, quem a ouve e está dentro de casa, diz logo: Matinta, amanhã podes vir buscar tabaco. “Desgraçado - deixou escrito Max. J. Roberto, profundo conhecedor das coisas indígenas - quem na manhã seguinte chega prrimeiro àquela casa, porque será ele considerado como o mati. A razão é que, segundo a crença indígena, os feiticeiros e pajés se transformam neste pássaro para se transportarem de um lugar para outro e exercer suas vinganças. Outros acreditam que o mati é uma maaiua, e então o que vai à noite gritando agoureiramente é um velho ou uma velha de uma só perna, que anda aos pulos.” (Stradelli, Vocabulário da Língua Geral, 518).
A Matintapereira é uma modalidade do mito do saci-pererê, na sua forma ornitomórfica.
(Geografia dos Mitos Brasileiros).  A matintapereira não é realmente uma coruja, como pensava Stradelli, mas um cuculida, Tapera naevia, Lin., também conhecido como Sem-fim e Saci. 

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Matuiú
Indígenas fabulosos que tinham os pés invertidos, com os calcanhares para frente. 
Primeiro a registrá-los foi o Jesuíta Cristóbal de Acuña em 1639, descendo o rio 
Amazonas, citando uma nação de “gente onde todos têm os pés para trás, de modo que quem não os conhecendo, quisesse seguir as suas pegadas, caminharia sempre em direção contrária à deles. Chamam-se mutayús e são tributários destes tupinambás”. (Descobrimentos do Rio das Amazonas, 263, S. Paulo, 1941).
O padre Simão de Vasconcelos (Crônica da Companhia de Jesus no estado do Brasil e do que Obraram seus filhos nesta Parte do Novo Mundo, lib. I, cap. 31, 20, Rio de Janeiro, 1864) divulgou-os: “Outra é de casta de gente que nasce com os pés às avessas, de maneira que quem houver de seguir seu caminho há de andar ao revés do que vão mostrando as pisadas; chamam-se matuiús.” 
Aulo Gélio (Noites Áticas, IX, IV), fala nos homens que andam com velocidade extrema e tendo os pés ao contrário: “alius item esse homines apud eamdem caeli plagam, singulariae velocitatis, vestigia pedum habentes retro porrecta, non, ut caeteorum hominum, prospectantia.” Santo Agostinho se refere a esses monstros no De Civitate Dei, Ib. XVI, cap. VII... “quibusdam plantas versas esse post crura.”
A Crônica de Nuremberg, 1492, chama-os de Opistópodos. 
Essa pegada inversa determinou ferraduras ao contrário para os animais enganarem os
perseguidores. Nos romances do séc. XV e XVI espanhóis e franceses (do Sul), encontraram-se os cavalos ferrados como os matuiús tinham os calcâneos.
No séc. XVIII o contrabandista francês Louis Mandrin possuía, para suas cavalgaduras, les fers à rebours.
Ambrosetti para os caingangues e Urbino Viana para os xerentes descrevem um calçado de tecido de palha, deixando um rastro de mentira, ocultando a direção exata dos indígenas.
 (“Los Índios Kaingángue”, 322, Revista del Jardin Zoológico, II, Buenos Aires, 1894; Urbino Viana, “Akuen ou Xerentes”, 39, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 100, vol. 155).
Luís da Câmara Cascudo, Dante Alighieri e a Tradição Popular no Brasil, “Os Matuiús
Dantescos”, 80-82, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1963. É o castigo dos adivinhos e mágicos, a marcha invertida, Inferno, XX, 12-13-15. 

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Motucu
Entidade misteriosa e malévola dos indígenas manaus, aruacos do rio Negro, Amazonas. O
Motucu vive nas florestas e tem os pés virados como o curupira ou o matuiú. 
“Uma das principais fábulas provindas dos manaus é a do Motucu, ou demônio dos pés virados, cujas perenes jornadas faziam-se por intermináveis atalhos, incendiando floresta e deixando após si rochas estéreis.”
(Pelo Rio-mar, Missões Salesianas do Amazonas, 24, Rio de Janeiro, 1933). 

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Onça Pé de Boi
É uma figura do folclore do Acre.
“Esse animal sai do circulo dos bichos fabulosos e imaginário, porque de fato existe. No recesso daquela imensa e opulenta floresta, onde só se vêem céu e terra, longe dos lugares de vida, é a região onde se encontra a fera acima citada. Perigosíssima no seu todo, pois, além de sua ferocidade, anda somente de casal; e quando se depara com o homem, o seu maior inimigo, trata logo de aniquilá-lo. As possibilidades de vida, aí, são diminutas, a não ser que o infeliz desbravador tenha tempo de defender-se com as armas que carrega para a sua defesa, abatendo-os. Mesmo que o homem consiga trepar-se numa árvore, no caso de não dispor de um rifle ou de bacamarte, é como se tivesse ele próprio lavrado a sua sentença, porque, enquanto ele tiver forças para permanecer agarrado aos galhos, esperando o momento oportuno para fugir, o casal de “onça pé de boi” não se afasta de sua presa, não deixa o tronco da árvore, vigiando atentamente a presa apetitosa. Enquanto uma sai à procura de alimentação, a outra fica esperando que o prisioneiro desça à terra. E assim demoram, até a queda do infeliz.
Se por acaso da sorte algum mateiro, no seu ofício de descobrir as enormes seringueiras, que formam as estradas, passa por ali, a sua atenção é logo chamada para o rastro deixado na terra mole, pelo nocivo e perigosíssimo animal, visando os seus movimentos que já são feitos cuidadosamente. Se o miserável prisioneiro ainda tem ânimo para gritar, atrai, com isso, a presença do experimentado mateiro, que já sabendo do perigo, se dirige para o local dos gritos, procurando, então, descobrir a fera, que tem as patas identicamente às de um boi gigante, afastando o seringueiro da catacumba sem cruz que aqueles ferozes animais lhe preparavam”.
(Francisco Peres de Lima, Folclore Acreano, 108-109, Rio de Janeiro, s. d., 1938).
Há depoimentos da onça-boi no Amazonas (Geografia dos Mitos Brasileiros, 396). 

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Visagem
Assombração, fantasma, alma do outro mundo, aparição sobrenatural. 
Cabelo assanhado como quem viu visagem. 
Apareceu uma visagem! Forma indecisa, causando pavor. 
Sentimento fingido, hipocrisia. Deixe de fazer visagem comigo.
Ver Bicho Visagento.



Dicionário do Folclore Brasileiro - Câmara Cascudo, Rio de Janeiro: Ediouro Publicações S.A. sem data

 
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