Entes Fantásticos: Nordeste

 
Alamoa
Anjo Corredor
Automóvel Encantado
Axuí
Biatatá
Cabeças Vermelhas
Cabra-Cabriola
Capelobo / Cupelobo
Carneiro Encantado
Cotaluna
Flor-do-Mato
Gritador
Guajara
João Galafuz
Labatut
Lago Encantado de Grongonzo
Mingusoto
Num-Si-Pode
Ossonhe
Pai-do-Mato


Alamoa
Duende feminino que aparece na ilha Fernando de Noronha.
É uma mulher branca, loura, nua, tentando os pescadores ou caminhantes retardados. Transforma-se num esqueleto, endoidecendo o namorado que a seguiu. Aparece também como uma luz ofuscante, policolor, perseguindo quem foge dela. Sua residência é o Pico, elevação rochosa, de mil pés de altura, absolutamente inacessível.
“As sextas-feiras a pedra do Pico se fende e na chamada porta do Pico aparece uma luz. A Alamoa vaga pelas redondezas. A luz atrai sempre as mariposas e os viandantes. Quando um destes se aproxima da porta do Pico, vê uma mulher loura, nua como Eva antes do pecado. Os habitantes de Fernando chamam-na alamoa, corruptela de alemã, porque para eles mulher loura só pode ser alemã... O enamorado viandante entra na porta do Pico, crente de ter entrado num palácio de Venusberg, para fruir as delícias daquele corpo fascinante. Ele, entretanto, é mais infeliz que o cavaleiro Tannhauser. A ninfa dos montes transforma-se numa caveira baudelairiana.
Os seus lindos olhos que tinham o lume das  estrelas, são dois buracos horripilantes. E a pedra logo se fecha atrás do louco apaixonado. Ele desaparece para sempre.”
(Olavo Dantas, Sob o Céu dos Trópicos, 28, Rio de Janeiro, 1938). 

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Anjo Corredor
No folclore do Estado das Alagoas, o “Anjo Corredor” é um homem com um cacete ou cajado, que caminha sem parar a vida toda, batendo nas cancelas dos engenhos. As crianças, quando ouvem falar, trepam-se nas cumeeiras das casas, e as mães de família fecham as portas. O Anjo Corredor, como se deduz, age apenas percutindo nas porteiras e o rumor anuncia sua aproximação fantástica. 

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Automóvel Encantado
Os choferes profissionais de longas viagens noturnas, transportando cargas do Nordeste para os Estados do Sul e do Centro do Brasil, narram a existência de veículos encantados, aparecendo e desaparecendo misteriosamente, embora denunciados pelas luzes ofuscantes dos faróis ou pela mancha vermelha da lâmpada traseira.
Raro será o motorista sem uma estória impressionante nesse gênero. O chofer de praça, nas cidades, dá igual depoimento dos automóveis fantásticos, nas altas horas da madrugada citadina. (Luís da Câmara Cascudo, “Superstições e Estórias de Chofer,” O Estado de S. Paulo, setembro de 1958).
O folclore da máquina é tão rico e variado como qualquer dos congêneres. Motores que trabalham espontaneamente, luzes que se acendem sem iniciativa técnica, rumores típicos de mecanismos que estão, quando verificados, absolutamente parados, são estórias vivas em centenas de exemplos nas usinas e parques industriais.
Atesta-se, como escreve B. A. Botkin, que “are evidence enough that machinery does not destroy folk-lore.” (Existem evidências suficientes de que as máquinas não destroem o folclore) Bem ao contrário. 

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Axuí
Cidade de ouro, no interior do Maranhão. Ruas, palácios, igrejas, imagens, tudo era de ouro puro.
Na última década do século XVIII, um escravo de nome Nicolau confessou ao Governador do Maranhão, General Antônio Fernando de Noronha, a existência da Axuí fabulosa.
Toda a população da cidade acreditou, e duzentos soldados foram enviados para a conquista da cidade do ouro, pelos campos de Lagarteira e matas do Munim. Nicolau desapareceu e a expedição regressou, trazendo cansaço e decepção. 

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Biatatá
É uma superstição da Bahia, forma confusa em que o nome denuncia deturpação do mboitatá, a cobra-de-fogo, um dos mais antigos mitos do Brasil, já citado pelo venerável José de Anchieta em1560. Donald Pierson informa: “Dizem que o biatatá é uma mulher que habita o mar, aparecendo sobre a água apenas de noite e aumentando gradualmente de tamanho até adquirir proporções enormes e lançar uma sombra imensa e aterrorizadora.”
Os fantasmas que crescem e diminuem são universais, europeus, africanos, asiáticos, etc. O velho mboitatá, boitatá, batatão, não possuía esse vício. Em São Paulo a forma bitatá (Cornélio Pires, Conversas ao Pé do Fogo, 177) evidencia a origem do nome esdrúxulo na aparência mítica do boitatá legítimo.
Ver Boitatá, Região Sul. 

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Cabeças Vermelhas
No Piauí (Oeiras) crê-se que o cadáver do maçom é arrebatado pelos cabeças vermelhas, que são entes demoníacos. 
O corpo de um maçom, durante o velório, foi visitado por quatro homens vestidos de azul com gorros vermelhos. Pela manhã, o cadáver havia desaparecido. Um famoso tocador de viola, que fizera pauta com o Cão, ia sendo levado para o cemitério por doze carregadores, quando “dois sujeitinhos de carapuça vermelha” surgiram e “lutaram terrivelmente com os carregadores, em número de doze. E isto deu-se, não obstante vir o corpo coberto de santos.” 

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Cabra-Cabriola
Terrível papão para meter medo aos meninos e contê-los nas suas travessuras. Segundo os nossos contos populares, a Cabra-Cabriola é um horrível monstro, de enormes fauces e dentes agudíssimos, a deitar fogo pelos olhos, pelas narinas e pela boca, e que nas suas excursões noturnas, para dar pasto à sua voracidade, astuciosamente, penetra nas habitações e devora quantos meninos encontra.
Em um desses contos o monstro fala assim: “Eu sou a Cabra-Cabriola, / Que come meninos aos pares, / também comerei a vós, / Uns carochinhos de nada.” 

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Capelobo / Cupelobo
Animal fantástico, de corpo humano e focinho de anta ou de tamanduá, sai à noite para rondar os acampamentos e barracões no interior do Maranhão e Pará, matando cães e gatos recém-nascidos para devorar. Encontrando bicho de porte ou caçador, rasga-lhe a carótida e bebe o sangue. Só pode ser morto com um tiro na região umbilical. É o lobisomem dos índios, dizem. Denuncia-se pelos gritos e tem o pé em forma de garrafa. 
No rio Xingu, certos indígenas podem-se tornar capelobos, embora ignoramos como se processa a transformação. (Luís da Câmara Cascudo, Geografia dos Mitos Brasileiros, “Ciclo dos Monstros”). S. Fróis Abreu (Na Terra das Palmeiras, 188-189, Rio de Janeiro, 1931): “Acreditam que nas matas do Maranhão, principalmente nas do Pindará, existe um bicho feroz chamado cupelobo... Um índio timbira andando nas matas do Pindará chegara a ver um desses animais que dão gritos medonhos e deixam um rastro redondo, como fundo de garrafa. O misterioso animal tem corpo de homem coberto de longos pêlos; a cabeça é igual à do tamanduá-bandeira e o casco com fundo de garrafa. Quando encontra um ser humano, abraça-o, trepana o crânio na região mais alta, introduz a ponta do focinho no orifício e sorve toda a massa cefálica: “Supa o miolo”, disse o índio.”
Ver Bolaro, Região Norte. 

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Carneiro Encantado
No lugar Passagem de S. Antônio, Maranhão, fronteira com o Piauí, margens do rio Parnaíba, os viajantes vêem um carneiro gigantesco, com uma estrela resplandecente na testa. Às vezes o brilho parece extinguir-se e bruscamente se aviva, com uma luminosidade deslumbrante. Dizem que, há muito tempo, os ladrões assassinaram nesse lugar um monge missionário que voltava trazendo esmolas para o convento. Mataram e roubaram o frade. Terminado o crime, foram tocados pelo remorso e, cheios de arrependimento, sepultaram o cadáver, enterrando as esmolas, inclusive o ouro, perto do corpo. Vez por outra o monge aparece, durante a noite, transformado no grande carneiro branco e tendo na testa a estrela radiante que é o símbolo da riqueza enterrada.
Ocorre no Piauí um mito idêntico com o nome de Carneiro de Ouro:
“Conta-se que se dá em Campo Maior, na serra de S. Antônio, a aparição de um enorme carneiro de ouro, que se tem apresentado a algumas pessoas de dia, e a outras que o vêem à noite, de longe, da vila, todo vestido de luz. Dizem que ele berra junto a uma enorme corrente de ferro, como que indicando que naquele lugar existem grandes riquezas e grandes encantos. Mas, como uma só pessoa ou mesmo duas e três não possam levar para sua casa aquele enorme achado precioso, volvem à vila e reúnem povo para o buscar o velocino. Em chegando, porém, ao lugar, desaparecem o carneiro e a corrente. Isto ouvi contar, em 1884, por uma velha de mais de 80 anos, antiga moradora em Campo Maior e que afirma ter visto de longe o carneiro de ouro com sua estrela de brilhantes na testa.” (Leônidas Sá, Folclore Piauiense, “Litericultura,” IV, 126,
Teresina, 1913). 

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Cotaluna
É o fantasma do rio Gramame, em João Pessoa, Paraíba. 
Pelo inverno é uma sereia, meio mulher, meio peixe, sem cantar, mas arrebatando os descuidados banhistas e mutilando-os, como o velho Ipupiara do séc. XVI. “Há quem fale até na sua antropofagia”, escreveu Ademar Vidal, revelador desse peixe tropical. Seu aparecimento, mulher branca, cabelos negros, olhos sedutores, pintam a sereia, a ondina, a Mãe-d’Água, emigrada de terras distantes e aqui amalgamada com o bruto Ipupiara, devorador de afogados. Mulher bonita, com a extremidade ictiforme, diz evidentemente a origem velha do nascimento. A fórmula de seduzir não está claramente fixada. Cantando? Falando? Agarrando? Certo é que não há o elemento sexual, porque a Cotaluna invernal espalha indizível terror. Durante os meses de estio Cotaluna é uma ondina, mulher inteira, atraente, empolgadora, sensual, com aparições raras no dorso da água clara e fina do Gramame. Não promete riquezas nem possui palácios fluviais. Seu encanto é imediato, físico, como o da Alamoa da ilha de Fernando de Noronha. Embriaga os sentidos e o desejo da posse explica a loucura que fere seus namorados. Interessantemente, há quem volte dos braços frios dessa Morgana paraibana. Há quem tenha vivido amorosamente com a Cotaluna e depois voltado. Volta sem memória e sem vontade. Deixou a própria alma nos lábios da nixe nordestina. A Cotaluna do verão, mito sexual, guarda muitos dos vestígios africanos, mas tamanha é a influência da sereia mediterrânea, que a pele branca e as feições permanecem da raça colonizadora. Também outrora, na Alemanha, quem ouvira a Iara ficara desnorteado até lançar-se ao rio para segui-la. A Cotaluna cede. Mas seu preço é a inteira vida mental do namorado. 

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Flor-do-Mato
Um dos nomes do Caipora-fêmea no folclore da Paraíba. Tem os mesmos atributos de guiar a caça e gostar de fumo. “Só favorece ao pobre caçador, quando por sua vez se vê beneficiada em alguma coisa. Não o sendo, fica sumítica, irada, e se vinga escondendo a caça, afugentando-a para longe, gostando de brincar, debicando ou fazendo com que o homem se canse e nada consiga.
Depois assobia, vaiando. Chega até a dar boas e gostosas gargalhadas de deboche... Para fazê-la mansa, para fazer flor (boa e ajudando gente), é necessário levar no bornal uma lembrança, que se bota num pé de pau e ela vai buscar. E como sei que Flor-do-Mato gosta muito de fumo mapinguinho, o fumo é sempre o que eu levo. Esse mito da mata se apresenta como se fora uma menina de doze anos, toda simpatia, com os cabelos louros e estirados, aparecendo mais comumente nos tabuleiros, quando sai dos seus domínios à procura de mangabas e ameixas adstringentes. É sempre vista pelos caçadores. Em geral estes votam-lhe grande admiração e respeito. As exceções constituem aqueles que se utilizam de pimenta. É coisa que aborrece Flor-do-Mato. Mas ela sabe vingar-se. 

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Gritador
Duende do vale de São Francisco. “O Gritador é também conhecido como “Zé-Capiongo”, e vive gritando dentro da noite. Contam que ele é a alma de um vaqueiro que, desrespeitando a Sexta-Feira da Paixão, saiu a campear e nunca mais voltou. Sumiu misteriosamente com o cavalo, o cachorro e a rês que campeava. Virou assombração. Hoje vive gritando no mato, aboiando uma boiada invisível como ele. É o Gritador. Embora os seus gritos sejam mais ouvidos durante a noite, o Gritador não tem hora para gritar. Dizem que até ao meio-dia ele clama no meio do mato, assombrando os vivos, assustando os bichos. Nas noites de sexta-feira, além do seu abolo triste, são ouvidos o rumor dos cascos do seu cavalo e o ladrar do seu cachorro.
Ver Bradador, Região Sudeste. 

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Guajara
Duende de Almofala, município de Acaraú, Ceará.
Manifesta-se nas noites de inverno, raras vezes nos dias de verão, imitando vozes de animais, ruídos de caçador, pescador, colhedor de mel de abelhas, fingindo cortar árvores, assombrando os viajantes que passam perto do seu mangue e mesmo surgindo, como um pato, nas residências próximas, perturbando a tranqüilidade normal. A tradição comum fá-lo invisível, determinando o pavor pela diversidade da simulação. Açoita os cães, que podem sucumbir depois do suplício. Grita, acompanha o viandante. Chamam-no também Guari e Pajé do Rio. 

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João Galafuz
Nome com que a superstição popular designa uma espécie de duende, que diz aparecer em certas noites, emergindo das ondas ou surgindo dos cabeços de pedras submersas, como um facho luminoso e multicor, prenúncio de tempestade e naufrágios; crença essa dominante entre os pescadores e homens do mar do norte do Estado de Pernambuco, e principalmente de Itamaracá, dizendo-se que esse duende marinho é a alma penada de um caboclo, que morreu pagão, acaso conhecido por João Galafuz.
A superstição tem curso também em outros Estados, nomeadamente em Sergipe, com o nome de Jean de la Foice 

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Labatut
É um monstro com forma humana, antropófago, vivendo na região de fronteira do Ceará com Rio Grande do Norte, especialmente no chapadão do Apodi.
“Labatut é um bicho pior que o lobisomem, pior que a burrinha e pior que a caipora e mais terrível que o cão coxo. Ele mora, como dizem os velhos, no fim do mundo, e todas as noites percorre as cidades, para saciar a fome, porque ele vive eternamente esfaimado. Anda a pé: os pés são redondos, as mãos compridas, os cabelos longos e assanhados, corpo cabeludo, como o porco-espinho, só tem um olho na testa, como os cíclopes da fábula, e os dentes são como as presas do elefante. Ele gosta mais dos meninos, porque são menos duro que os adultos. Ao sair da lua, ele, que anda ligeiro, entrará pelas ruas, num trote estugado, parando às portas, para ouvir quem fala, quem canta, quem assobia e quem ressona alto e... trás! Devorar!... Os cães dão sinal, latindo-lhe atrás!”
O nome do monstro é uma reminiscência das violências e brutalidades do General Pedro Labatut, que esteve no Ceará, de junho de 1832 a abril de 1833, reprimindo a insurreição de Joaquim Pinto Madeira, que se rendeu, com 1690 homens em armas. 
Labatut, oficial do Imperador Napoleão, companheiro de Simão Bolívar, arrebatado, atrabiliário, valente, faleceu marechal-de-campo do Exército Brasileiro, em 24 de setembro de 1849, na Bahia. 
A forma monstruosa é comum na espécie fantástica, atuando sob o nome de Labatut apenas na região citada. 

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Lago Encantado de Grongonzo
O morro do Grongonzo fica no município de São Bento, Pernambuco, a sudoeste da sede
municipal. É um morro arredondado. A lenda diz ali encontrar-se, às vezes, um grande lago, que desaparece depois, sem deixar vestígios. Quem o viu, não verá duas vezes. Não é possível a mesma pessoa vê-lo duas vezes na vida.
Há no lago encantado de Grongonzo grandes riquezas escondidas, tesouros ocultos, cabedais fabulosos. 

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Mingusoto
No folclore da Paraíba é um fantasma aterrador, habitando a capital do Estado.
Mingusoto é informe e aterrador. É uma espécie crescida do alma-de-gato, que amedronta as crianças. Mingusoto, infixo, desmarcado em sua influência, é infinito nas manifestações que o pavor multiplica. Dizem-no senhor dos elementos, águas vivas dos rios, águas mortas das lagoas e barreiros. Mas já está com os elementos europeus deturpadores. 
Fantasma poderoso, que domina os lençóis subterrâneos, gemendo no silêncio das noites, dá-se ao sestro de abrir as igrejas, organizando mudas, enormes e lentas procissões noturnas, que se desenrolam com o cerimonial terrível das aparições coletivas, populares na Idade Média. Essas procissões, que surgem e desaparecem, com suas bandeiras, pálios, irmandades coguladas, fiéis, confundindo-se na treva, vêm da Europa, e não há figura legendária que não as tenha visto Sevilha, Roma ou Heidelnerg. O doutor Fausto, Dom Juan e o violinista Paganini deram depoimentos. 
Mingusoto, além desses hábitos de assombração cristã e litúrgica, materializa-se no leão de bronze ou no galo de ferro, que coroam as torres de São Bento e de São Francisco em João Pessoa, igrejas apontadas como residenciais. Também o descrevem vivendo nas praias da Camboinha ou de Tambau. Curiosamente, o abantesma ainda não escolheu corpo definitivo para visitas sistemáticas. “Interessante que não se conhece a sua forma exata de gente. Nem mesmo se desconfia dela. Pelo nome é que se conclui parecer mais de homem que de mulher. Domina as matas, o mar e os rios. “É dono dos elementos”, informa Ademar Vidal. Mas não há registro de atividade característica do Mingusoto. “Nada exige, mas amedronta.” É um medo com as prerrogativas clássicas da indecisão antropomórfica, com vasto prestígio indeterminado.”
(Geografia dos Mitos Brasileiros, 442-443).
Em Portugal, o medo ou miedo aparece como um “home alto, bestido de branco,” como Leite de Vasconcelos registrou em Miranda. 

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Num-Si-Pode
“Não-se-Pode” é um fantasma que aparece na praça da Igreja de N. S. das Dores, em Teresina, Piauí. Mulher de talhe desmesurado, com alvíssima mortalha, surge nas noites e madrugadas, determinando um pavor irresistível. Não se pode afrontar aquele assombro, espalhador de um medo indizivel (informação de Vítor Gonçalves Neto, Teresina, Piauí). 
Registrou-a em versos o Sr. João Terry (Chapada do Corisco, 28-29, Teresina, 1952). 
Ver Cresce e Míngua, Região Sudeste. 

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Ossonhe
É um orixá que corresponde ao Caipora indígena, unipedal, zombeteiro.
Manuel Querino escreveu (Costumes Africanos no Brasil, 48): “Ossonhe é um outro orixá e corresponde ao Caipora, que só tem uma perna. O africano nutre a mesma crença do indígena, neste particular. “O Caapora, vulgarmente Caipora, veste as feições de um índio, anão de estatura, com as armas proporcionais ao seu tamanho, habita o tronco das árvores carcomidas, para onde atrai os meninos que encontra desgarrados nas florestas. Outras vezes divagam sobre um tapir ou governam uma vara de infinitos caititus, cavalgando o maior deles. Os vaga-lumes são os seus batedores; é tão forte o seu condão que o índio que por desgraça o avistasse era mal sucedido em todos os seus passos. Daqui vem chamar-se caipora ao homem a quem tudo sai ao revés” (Gonçalves Dias, Obras Póstumas, vol. VI, 130.
Jacques Raimundo (O Negro Brasileiro, 158-159) grafa Oçonhe: “O gênio da mata que transmite a infelicidade de quem o vê.”
Querino (Raça Africana) é quem alude primeiro ao orixá, dando a entender que, adotando o mito do Caipora, o Caipoi na gíria do negro. (Artur Ramos, Negro Brasileiro, 124), o afro-baiano supersticiosamente crê que o espírito da floresta é portador de má morte; chama-lhe Ossonhe, que deve ser uma falsa audição de Oxonhe ou Oxonhê. O verdadeiro nome do gênio é Eberê; os iorubanos conhecem o mito, o egbére, o gênio maléfico, espécie de anãozinho que vaga à noite nas matas. Oçonhe, ou antes Oxonhe, um nome complementar, preferido dos afro-baianos do iorubano, óshónu, iyé, o enfermo ou aleijado da vida.
Ver Caapora / Caipora, Região Norte. 

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Pai-do-Mato
Nas tradições folclóricas de Alagoas, o pai-do-mato é um bicho enorme, mais alto que todos os paus da mata, cabelos enormes, unhas de 10 metros, orelhas de cavaco. O urro dele estronda em toda a mata. À noite, quem passa na mata ouve também a sua risada. Engole gente. Bala e faca não o matam, é trabalho perdido. Só se acertar numa roda que ele tem em volta do umbigo. Em alguns “reisados”, aparece uma figura representando o entremeio do pai-do-mato, sob a forma de um sujeito feio, de cabelos grandes. É comum a expressão entre as mães de família, a propósito dos filhos que estão com cabelos grandes, sem cortar: “Está que é um pai-do-mato.” “Você que é um pai-do-mato.” “Você quer virar pai-do-mato, menino?”
No “reisado” canta-se no entremeio do pai-do-mato: “Ó que bicho, / Só é pai-do-mato!...”
(informação de Téo Brandão, Maceió, Alagoas). 
Com denominação idêntica e materialização, vive o pai-do-mato em Pernambuco, informa o poeta Ascenso Ferreira. 
Roquete Pinto emprega o pai-do-mato na tradução que faz de um “ualalocê” dos índios parecis (em Rondônia, 84, Arquivos do Museu Nacional, XX, Rio de Janeiro, 1917).
Compare-se o pai-do-mato com o Ganhambora, o Mapinguari, o bicho Homem, espécies do ciclo dos monstros (Geografia dos Mitos Brasileiros, 455). 
“Sem que jamais tivesse sido visto, conta a lenda queijeira da zona de Anicuns que o pai-do-mato é um animal de pés de cabrito, à semelhança do deus Pã da mitologia, tendo como este o corpo todo piloso. As mãos assemelham-se às dos quadrúmanos. Diferencia destes, entretanto, por andar como ente humano, com o qual se assemelha na fisionomia. Traz no queixo uma irritante barbinha à Mefistófeles, e a sua cor é escuro-fusca, confundindo-se com a do pelo do suíno preto enlameado. Dizem que anda quase sempre nos bandos de queixadas, cavalgando a maior, e conservando-se sempre à retaguarda. Raramente anda só e raramente aparece ao homem. Quando alguém se lhe atravessa na estrada, não retrocede, e, com indômita coragem, procura dar cabo do obstáculo que se lhe antepõe. É corrente, onde ele tem o seu “habitar”, que arma branca não lhe entra na pele, por mais afiada e pontiaguda que seja, salvante no umbigo, que é nele instantaneamente mortal... A urina dele é azul como anil.”
(Derval de Castro, Páginas do meu Sertão, 70-71, São Paulo, 1930). O autor estuda o sertão de Goiás.



Dicionário do Folclore Brasileiro / Câmara Cascudo. - Rio de Janeiro: Ediouro Publicações S.A. sem data
Volta para Mitos e Lendas da Região Nordeste
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