Uma exceção, no entanto, deve ser feita: a sua participação na República de Piratini. Em pleno regime escravista, durante o Segundo Império, os escravos viveram em liberdade durante os anos de 1835 a 1845, num momento em que, no resto do Brasil, eles lutavam de armas nas mãos nos diversos movimentos de quilombagem que marcaram aquele período.
Sendo o Movimento Farroupilha deflagrado por estancieiros ou grupos e camadas a eles ligados social e economicamente e não sendo substantivo o trabalho escravo nesse tipo de atividade, os seus promotores não encontraram dificuldades em alforriar os seus escravos, que passaram a ser homens livres, tendo a sua maioria se engajado nas tropas dos farrapos, para combater pelos ideais republicanos. No avanço sobre a capital, em 20 de junho e em 30 de junho [de 1935], e no cerco de Pelotas, em 1836, que marcam os passos iniciais e importantes das guerras de dez anos, os escravos negros tiveram um lugar de primeiro plano.O major João Manuel de Lima assumiu o comando da 1ª. Legião de escravos que entrou na cidade de Pelotas. Os escravos tinham razões de sobra para combater ao lado dos farrapos. O sentido antiescravista dos seus líderes justificava plenamente esse engajamento. Bento Gonçalves e Domingos de Almeida, ministros da Justiça e do Interior da jovem e efêmera República respectivamente, ao saberem que as tropas imperiais, ao prenderem negros soldados farroupilhas, mandavam açoitá-los como se fossem escravos, assinaram, em 11 de maio de 1839, documento no qual decidiam: O Presidente da República, para reivindicar direitos inalienáveis da humanidade, não consentindo que o livre rio-grandense de qualquer cor que os acidentes da Natureza os tenham distinguido sofra impune e não-vingado o indigno, bárbaro, aviltante e afrontoso tratamento que lhe prepara o infame Governo Imperial, em represália ao que lhe é provocado. Decreta:Essa medida extrema de Bento Gonçalves bem demonstra o nível de valorização dos negros combatentes por parte dos farroupilhas. Isto porque, como é evidente, o negro demonstrava um ótimo desempenho como soldado. Porém, não foi apenas como lanceiro, soldado da infantaria ou nas cargas de cavalaria que ele se destacou pela importância do seu papel, mas na Marinha também. Lanchões armados, tripulados por ex-escravos, faziam parte da pequena frota farroupilha. Em várias oportunidades tiveram de provar a sua bravura, conforme o testemunho de outros participantes dessas refregas. Rafael e Procópio, negros, participaram juntamente com Garibaldi, que aderiu aos farroupilhas, dos combates que suas tropas travaram em Camaquã contra Frederico Moringue, das tropas imperiais. Muita da resistência que foi oferecida àquele chefe legalista deve-se à disposição dos negros que estavam ao seu lado. O próprio Garibaldi, que tão ativamente participou ao lado das tropas de Bento Gonçalves criando, mesmo, a auréola de Herói de Dois Mundos, nas suas memórias refere-se elogiosamente a esses combatentes. Esse intermezzo de liberdade durou pouco, porém. A República de Piratini foi derrotada pelo Duque de Caxias, que comandava as tropas do império escravista. Mesmo assim, os farroupilhas, no seu tratado de rendição, estabeleceram uma cláusula na qual se estipulava que deviam “ser livres, e como tais reconhecidos, os cativos que serviram na revolução”. Logo depois, porém, o escravismo voltou a se instalar em toda a sua plenitude no território, que foi, durante dez anos, uma república sem escravos. |
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História do Negro Brasileiro / Clóvis Moura - São Paulo: Editora Ática S.A., 1992
Imagem publicada em Brasil Revisitado: palavras e imagens / Carlos Guilherme Mota, Adriana Lopez. - São Paulo: Editora Rios, 1989.