O Rádio
 
O Repórter Esso



O pacote cultural-ideológico dos Estados Unidos incluía várias edições diárias de O Repórter Esso, uma síntese noticiosa de cinco minutos rigidamente cronometrados, a primeira de caráter global, que transformou o radiojornalismo brasileiro. Com o noticioso, foi implantado o lide; a objetividade; a exatidão; o texto sucinto, direto e vibrante; a pontualidade; a noção do tempo exato de cada notícia; aparentando imparcialidade e contrapondo-se aos longos jornais falados da época. Porém, o formato inovador do noticiário não influiu somente na área profissional mas, também, nas disputas políticas, ideológicas e culturais da época.

A par de toda a evolução técnica que O Repórter Esso – até hoje parâmetro às principais sínteses noticiosas do País - trouxe para o radiojornalismo brasileiro, a informação por ele divulgada não era apenas notícia, mas se constituía, também, em informação dirigida, em propaganda político-ideológica, produzindo e construindo sentido e com alvo certo: o governo e determinados segmentos da sociedade brasileira. O noticiário, - que estreou em 28 de agosto de 1941 na Rádio Nacional do Rio de Janeiro e, um ano depois, já era irradiado por outras quatro rádios brasileiras -, logo conquistou credibilidade e respeito no meio radiojornalístico. O Repórter Esso, apesar do profissionalismo de sua equipe e do rígido controle, preconizado no Manual, não ficou livre dos interesses e das forças que o compuseram nos mais de 27 anos em que permaneceu no ar.

Era uma cópia, da síntese noticiosa, transmitida nos Estados Unidos, desde 1935, com notícias da United Press. Antes de estrear no Brasil, o noticiário ia ao ar, regularmente, em dezenas de emissoras das principais cidades das Américas do Norte e Latina, entre elas, Nova Iorque, Havana, Lima, Santiago do Chile e Buenos Aires. Nos Estados Unidos, em 10 de junho de 1942, registrou-se a edição 200 mil. Emissoras de 14 países do continente americano irradiaram O Repórter Esso em 59 estações, constituindo a mais ampla rede radiofônica global, utilizada por qualquer empresa em programa permanente e exclusivo. O noticiário es teve presente nos Estados Unidos, Argentina, Brasil, Costa Rica, Cuba, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Porto Rico, Venezuela, Colômbia, Peru, Chile e Uruguai.

Um programa multimilionário do governo dos Estados Unidos foi dirigido pelo empresário Nelson Rockefeller, neto de John Davison Rockefeller, fundador da Standard Oil Company, para influenciar as mídias na América Latina. O dinheiro, investido pelas empresas, poderia ser deduzido do imposto de renda. No primeiro momento, o combate era contra a propaganda nazista e fascista.

A primeira fase política do Repórter Esso termina com o fim da Segunda Guerra, pois o noticiário havia cumprido com os objetivos determinados originalmente, isto é, o de apoiar os Aliados durante o conflito. No entanto, a grande popularidade que a síntese noticiosa desfrutava junto aos ouvintes motivou Heron Domingues, locutor exclusivo do Esso no Rio, a defender junto ao diretor da Rádio Nacional, Victor Costa, a montagem de uma redação na emissora, para captar notícias locais. A idéia foi considerada uma loucura, no início, mas foi implantada e deu novo vigor ao Repórter Esso. As notícias locais passaram a ser melhor exploradas e o noticiário tornou-se mais abrangente, informando sobre os “matches” (partidas de futebol), a cotação do café, as condições do tempo, os resultado do turfe, etc.

Os textos de O Repórter Esso podem ser divididos em antes e depois da Segunda Guerra Mundial. Em ambas as fases, o noticiário atendia aos interesses comerciais e políticos. Patrocinado pela Standard Oil of New Jersey, uma das maiores companhias petrolíferas do mundo, o Esso anunciava comercialmente produtos no varejo como combustíveis (gasolina e óleo), fogareiros, etc.

O noticiário era baseado, quase que exclusivamente, em fatos, envolvendo os combates na Europa. Em edições extraordinárias, muitas vezes, O Repórter Esso interrompia até programas humorísticos, para transmitir notícias trágicas. Deste modo, ele desempenhou um papel importante ao influenciar a posição do governo brasileiro diante do conflito. No início dos anos 40, o oceano Atlântico se transformou em área de risco para a navegação comercial. Alguns navios mercantes brasileiros foram torpedeados, e o Esso fazia despertar o sentimento de defesa da pátria, condenando a ofensiva do Eixo, exorcizando alemães, italianos e japoneses pelos atos contra o Brasil.

Não é sem razão, portanto, que é atribuída ao Repórter Esso uma importante parcela de influência no consenso popular que levou o Presidente Getúlio Vargas a abrir mão de sua primeira tendência pró-nazi-fascismo, e depois de neutralidade, e colocar o Brasil ao lado das forças aliadas. Ao mesmo tempo, o governo americano tinha interesse em contar com o apoio brasileiro, pois o Nordeste do País se constituía numa região estratégica. Ali, os americanos pretendiam - e montaram - uma base aérea, para possibilitar a abertura de uma nova frente de batalha pelo Norte da África. Isto, de fato, terminou acontecendo. 

Antes, porém, o Presidente Getúlio Vargas realizou uma longa negociação com os Estados Unidos. Em troca das bases no Nordeste, a US Steel forneceu tecnologia para a construção em Volta Redonda, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), inaugurada em 1942, no Rio de Janeiro. Os americanos também ergueram a Base de Pára-Mirim, na Barreira do Inferno, em Natal.

Durante a cobertura da Segunda Guerra, percebe-se, no texto de O Repórter Esso a presença de adjetivos; alguns valorizando os feitos Aliados como: poderosas forças, vigorosa luta, tenaz batalha, histórica resistência, gigantesco orçamento, graves resoluções, sábia política da boa vizinhança de Roosevelt; ou atribuindo qualidades depreciativas aos inimigos como: tragicômico Duce, sanguinário fascismo; além de outros adjetivos como sensacional, grande, maior, quando se referiam aos norte-americanos. Também podem ser observados rótulos como: vermelhos ou inimigos, para se referir aos comunistas; e expressões como último baluarte ou frases de efeito como a história humana jamais esquecerá este nome, o mundo se encontra ante uma verdadeira encruzilhada, em esferas responsáveis, reina a impressão. Outra técnica utilizada era criar tensão, apreensividade, ao preceder à última notícia com as palavras de atenção, urgente, urgentíssimo ou ainda: e agora o último telegrama.

Outra estratégia ideológica presente foi a dissimulação, com a sinédoque, em que todos os alemães, japoneses e italianos passaram a ser agressores, numa generalização que prejudicou a convivência de muitos imigrantes deste povos em território nacional. A eufemização apareceu na análise, pois os Aliados nunca invadiam, defendiam, enquanto os japoneses, alemães e italianos sempre invadiam, nunca defendiam. Neste particular, o
noticiário trabalhou com a metáfora, pois, enquanto as autoridades aliadas eram enaltecidas com adjetivos positivos, os líderes do eixo eram tachados de tragicômico, sanguinário, entre outros rótulos negativos, comprometendo as normas do Manual de noticiar de forma neutra e imparcial os acontecimentos.

Em geral, os detalhes do texto foram considerados ao máximo, para dar a impressão de perfeição. A característica, a frase de abertura, a maneira de narrar os fatos, a ilusão de que os telegramas chegavam na hora - quando na verdade estavam com o locutor há muito tempo, etc. Os critérios, a informação exata e honesta (ou redigida de forma a parecer exata e honesta), a estética do noticioso (compacta, rápida, dinâmica), as notícias sem posição clara, mas apresentando a opinião subentendida.
Os textos eram curtos, mas nem sempre objetivos, e muitas vezes não respondiam aos seis quesitos do lide (que, quem, como, quando, onde, porque). Algumas notícias desprezavam o contexto e iam ao ar sem as explicações necessárias para que o ouvinte entendesse. O principal era criar a expectativa na audiência, sem explicar o que realmente estava acontecendo. A linguagem era parcial, enaltecendo a posição dos Estados Unidos e seus aliados na luta contra os nazi-fascistas. O mesmo recurso foi utilizado durante a Guerra Fria contra o comunismo.
 


 
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Luciano Klöckner, O Repórter Esso e a Globalização: a produção de sentido no primeiro noticiário radiofônico mundial - XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação – Campo Grande /MS – setembro 2001
Luciano Klöckner -  Jornalista, Professor de Comunicação Social da PUCRS - de Porto Alegre/RS e UNISINOS - de São Leopoldo, Mestre e Doutoranddo em Comunicação Social da PUCRS.
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